Observação preliminar: nunca me considerei mau escritor. Contudo, admito publicamente duas deficiências enormes nos meus textos. A primeira são os títulos, e a segunda é a introdução. Este post deixará isso muito claro.
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O romance. O romance é uma coisa muito boa. Nunca disse que não era, mesmo quando traz dor. Se não é bom pelos resultados, ao menos é bom pelo meio, pelo meio como se desenvolve, por estar meio apaixonado, meio bobo, meio vivo e meio morto de amor.
Meio, inteiro. O coração dividido e o coração unificado são dois estágios simples para começarmos a compreender como as pessoas agem e como a vida, como o caminhar pela vida podem se nos apresentar. Lembro-me do Padre Auricélio há menos de uma semana, em sua homilia, comentando que a liturgia católica é perfeita [o que já sabemos], entre outras coisas, porque imita a vida.
A liturgia católica, como a vida, é um caminhar. Entramos na igreja caminhando, sentamos, levantamos, nos ajoelhamos e saímos caminhando. A liturgia católica nos convida a exercitarmos de forma eficiente o potencial da mobilidade do corpo humano. Vemos a missa, acompanhamos os ritos sob vários pontos de vista, de cima, de baixo, em movimento...e o mesmo sucede com a vida.
Pontos de vista. Sempre enxergaremos a vida do nosso [ou pelo menos até eles nos permitem ver com os olhos dos outros, o que não demorará muito, penso eu], e no entanto mesmo ele não é algo estático, estacionário. Está sempre mudando. Há uma parcialidade dinâmica na vida, por assim dizer. Somos um ponto de vista em constante movimento, como uma máquina fotográfica que está sempre andando para lá e para cá em busca da melhor imagem, dentro das nossas possibilidades.
Convenientemente, está chovendo nessa exato momento. O que é muito bom. A chuva é uma coisa muito boa, pelo menos quando se está sentando confortavelmente em sua casa escrevendo. E por falar nisso, poucas coisas são melhores para compreender tudo o que eu disse até agora como escrever. A humanidade lucra muito com a escrita, e embora eu tenha usado a palavra "lucro", tantas vezes entendida de uma forma negativa em vista de seu cunho capitalista ou interesseiro, ela aqui é usada ao lado do adjetivo "lícito".
Há um postulado do capitalismo ideal que me chama muito a atenção, e que penso que cabe exatamente nessa situação. Para o socialista, para alguém sair comprando, alguém tem que sair perdendo. Que o diga Marx e suas teorias da mais-valia (e apesar de tudo recomendo fortemente a leitura das mesmas, porque o conhecimento sempre é válido, seja você de direita, de centro, como eu, ou de direita). Mas para o capitalismo utópico isso não é uma verdade absoluta. No capitalismo utópico ou ideal, ambos podem sair ganhando em um negócio.
A riqueza, então, não se redistribui, mas se multiplica. Não entrarei aqui no mérito sobre até que ponto capitalistas e socialistas têm razão, esse não é o objetivo deste texto Quero apenas o princípio aplicado à escrita. Na escrita, todos saem ganhando. Sai ganhando quem escreve, e sai ganhando quem lê. Alguém poderá sair ganhando mais que o outro, isso é bem verdade, mas a verdade é que ambos restaram beneficiados.
Certamente esse é o grande objetivo e o grande plano de Deus para a humanidade. Que todos sejamos capazes de multiplicar os dons que recebemos, compartilhá-los com os outros. A parábola dos talentos ilustra bem isso. Os servos receberam talentos de seu senhor, e cada um "lucrou" outros tantos talentos com ele. Isso vale em termos monetários, e vale também em termos de virtude, em termos de amor e de todas as outras coisas boas.
Temos então um Senhor que ao mesmo tempo nos manda lucrar e compartilhar. Temos um Deus que nos ordena que acendamos a luz, e ao mesmo tempo que a coloquemos em um lugar onde possa brilhar para que todos a vejam. Em termos econômicos, temos, em linhas simples, um Deus que não é nem capitalista nem socialista, mas que agrega elementos usados e defendidos por ambas as ideologias.
Basicamente, o cristianismo faz de todos nós sócios, faz de todos nós pessoas preocupadas umas com as outras, e com os melhores interesses da sociedade, porque então todos somos uma família em Cristo. E isto não é nenhum absurdo, bem como não é nenhum absurdo que todos tenham de trabalhar e ter livre iniciativa para construir, para colaborar na construção dessa sociedade, fazendo, inclusive, como bem estabelece o Evangelho, jus a um salário justo e digno, o qual, contudo, não serve apenas para nós, mas deve necessariamente beneficiar a todos de alguma forma. E este é um discurso que agrega elementos tanto da direita quanto da esquerda.
Está muito claro para mim, depois de estudar os dois pontos de vista, que nenhum deles sozinho é capaz de levar à solução dos problemas da humanidade, se é que algum dia conseguiremos realizar essa proeza. Acredito sinceramente que não.
Jesus mesmo diz que sempre teremos os pobres conosco. O que inviabiliza tanto o capitalismo quanto o socialismo, uma vez que ambos, ao menos em sua forma teórica, objetivam o fim da pobreza tanto econômica quanto social. Ambos objetivam, ou deveriam objetivar, o bem do ser humano. A diferença é que um acredita no paraíso terrestre por meio da utopia econômica, e o outro pela teoria social. Ambos, porém, se esquecem se que o paraíso já se foi Já perdemos o Éden. Não há mais paraíso terrestre a ser alcançado, e nem a ser construído. O que há é um Reino, mas um reino que "não é deste mundo."
Ao mesmo tempo, isso não quer dizer que não devemos nos preocupar apenas com as coisas espirituais e deixar as coisas temporais de lado, como sempre foi uma crítica da esquerda para com a religião. Mas também não quer dizer que tenhamos de nos tornar materialistas históricas. Dizer que algo não é azul não implica necessariamente em dizer que esse mesmo algo é vermelho, e vice-versa. Isto não é um recurso de linguagem, é uma conclusão obrigatória do ponto de vista da lógica.
Quando me debruço sobre essa temática, penso muito mais como antes de mim pensaram Chesterton e Tolkien, ou mesmo Leão XIII com a Doutrina Social da Igreja, ou tantos outros Papas, como Paulo VI e o próprio Papa Francisco agora. Como católicos [para meus leitores que são católicos], quero lembrar-lhes de que retiramos a revelação divina de qualquer lugar. Como disse certa vez Paulo VI, "o Espírito Santo fala até mesmo pela boca dos ateus."
Oras, isso quer dizer que a verdade, a vontade de Deus, os desígnios morais do Criador podem ser encontrados em qualquer lugar. Como disse certa vez Tolkien escrevendo a seu filho, "Deus não se limita por nada, nem por seus próprios fundamentos."
Evidentemente isso não quer dizer que nos tornaremos hereges. Jamais estou dizendo isso. É para isso que existe Roma, é para isso que existe o Magistério da Igreja, para que de tudo, como disse São Paulo, possamos tirar aquilo que é bom. Infelizmente muitas pessoas esquecem disso e preferem adotar uma postura legalista dura que não traduz o verdadeiro espírito evangélico. Sobre isso, felizmente, tem o Papa Francisco, na mesma linha do que dizia Bento XVI, se posicionado de forma exemplar.
Se esquecem essas pessoas que o mesmo Cristo que elas julgam defender foi o primeiro a condenar os fariseus, que com seu espírito de guardiões da lei acabavam por fechar o acesso a Deus para si mesmos e para os outros. Isso não está certo, e nem nós adotarmos essa postura está certo também. A única opção radical do cristão deve ser por Cristo e por Sua Igreja. O resto vem dos homens, é arriscado demais para merecer nossa confiança irrestrita.
É claro que, como cristãos, jamais poderemos nos aliar à esquerda, pois seus fundamentos são eminentemente ateus. Mas nada nos impede de adotar boas ideias que de lá surgem, e o mesmo ocorre com a direita. Devo lembrar que, assim como as grandes mentes idealizadoras da esquerda foram ateístas, o capitalismo também se serviu em muitos momentos do pensamento ateu e cientifista, notadamente na época vitoriana e no auge do positivismo e do estruturalismo. Quer dizer, para usarmos uma expressão popular, temos o típico caso do "sujo falando do mal lavado".
Novamente, penso ser salutar citar o distributivismo de Chesterton. Ele sempre teve consciência de que a riqueza não vale de nada se não redundar em benefícios para toda a sociedade. Isso, inclusive, é uma ideia que está no imaginário humano desde tempos imemoriáveis. Não por menos o dragão é sempre tido como um ser egoísta, ganancioso, que acumula grandes fortunas simplesmente por acumular. Não divide com ninguém, simplesmente ajunta mais e mais para si, arruinando a economia das fábulas.
Mesmo o direito empresarial, ou seja, o que regulas as empresas, as companhias, as sociedades empresariais, jóia da economia capitalista, mesmo ali a preocupação com o social se faz presente. Mesmo ali a empresa não é vista simplesmente como um local para produzir dinheiro, mas como um local que gera empregos, um local que beneficia não apenas o capitalista, mas toda a sociedade, porque cria empregos, gera dignidade para as pessoas.
Quer dizer, mesmo no coração pulsante da aplicação prática do ideal capitalista, está o elemento social, ainda que de forma teleológica. Aqueles que tentam separar uma coisa da outra demonstram que realmente vivem em um mundo de teorias, em um mundo de preto no branco. Na prática as coisas são bem diferentes.
Não podemos adotar essa linha de pensamento bipolar. Não é porque eu não sou da esquerda que eu tenho de ser da direita. Não há lógica nesse pensamento, considerando o espectro político complexo em que vivemos, notadamente nos dias contemporâneos.
Vejo que na verdade, em termos rasos, a direita tende a ser liberal em termos econômicos, e rígida em termos sociais (conservadorismo), ao passo que a esquerda tende a ser rígida em termos econômicos, e liberal em termos sociais (casamento gay, aborto, etc). Quem está com a razão?Ninguém. Ambas as ideologias afrouxam demais em um aspeto e seguram demais em outro. De fato, de certa forma a metáfora do espelho cairia como uma luva nesse raciocínio.
Falta, portanto, o equilíbrio. E onde falta o equilíbrio, falta a justiça. Esquerda e direita erram juntas, e morrem abraçadas, porque ambas pecam, ambas querem combater o mal com o mal, quando São Paulo diz claramente para não nos deixarmos vencer pelo mal, mas vencer o mal com o bem.
Foi a falta de equilíbrio das antigas ordens que fez com que caíssem. Foram os abusos cometidos pelas monarquias absolutistas, que violaram os contratos das sociedades feudais, que causaram as revoltas que as derrubaram. A Monarquia francesa, que com Luiz XIV havia atingido um grau de respeito quase devocional por parte do povo francês, caiu logo mais com Luiz XVI, e porquê?Por causa de abusos por parte de um rei ruim.
A Igreja Católica, minha Santa, Amada Igreja Católica. Onde foi que a mesma perdeu prestígio?Foi por meio de padres ruins, de bispos ruins, de Papas ruins. E isso em nada muda o fato de que ela continua a ser a morada de Deus entre os homens, mas os homens profanaram e muito a casa de Deus. O que estou tentando dizer, e isso é uma critica aos direitistas e aos conservadores, é que Marx jamais teria tido chance, Lênin jamais teria tido chance, se os prepostos do Rei, se os prepostos de Deus estivessem fazendo o que deveriam fazer.
A oposição só cresce quando a situação falha. E, em termos históricos, pragmaticamente, os aplicadores da direita, os aplicadores do antigo regime falharam. É bem verdade que o que sucedeu ao velho mundo é igualmente frustrante e igualmente falho, porque o homem é falho, pecador, imperfeito. Mas ainsa assim, antes de criticar com tanta veemência o outro lado, tanto esquerda quanto direita deveriam encarar demoradamente a si mesmos. Mas voltemos à discussão sobre o divino e deixemos de lado os homens e suas falhas.
Nesse sentido, gosto muito da imagem de Deus como LOGOS, como o sentido das coisas. Tomemos Cristo, que não é nem um ser totalmente espiritual, nem totalmente humano, mas em sua natureza é perfeitamente humano e perfeitamente divino, tudo ao mesmo tempo. Já pensou se aplicamos a natureza de Cristo aos nossos negócios na cidade terrestre?Então de fato ela seria uma imagem da cidade celeste.
Novamente, tomemos e exemplo das Sagradas Escrituras, que dizem que o homem justo é aquele que trilha os retos caminhos do Senhor, não se desviando nem para a esquerda nem para a direita. Entendamos a passagens nos moldes ideológicos que estamos a discutir. Entendamos em seu sentido econômico e social [sem jamais sermos reducionistas e ignorarmos seu sentido espiritual, é bom que se diga], e vejamos como então as coisas começam a fazer sentido!Como as coisas devem ser equilibradas, ou, em termos ideológicos novamente, como as coisas devem ser centralizadas.
Assim como eu não concordo com o Estado máximo, também não concordo com o Estado mínimo. Assim como concordo com a propriedade privada, não concordo com o latifúndio. Assim como discordo da regulação de preços pelo governo, também não concordo com o cartel. E assim sucessivamente, eu poderia passar vários minutos dando exemplos, mas não seria prático. O que precisa ficar claro é o princípio. O princípio do bom senso.
Mister se faz novamente a citação das Sagradas Escrituras (se os homens lessem mais a bíblia e a aplicassem mais em suas vidas, então o mundo seria um lugar deveras melhor), quando nos diz que HÁ UM TEMPO PARA TUDO. Há um momento para aplicação desta medida, e há um tempo para a aplicação daquela medida. De uma forma que jamais pode ocorrer o monopólio, mas também nunca deve ocorrer a concorrência sem limites.
Por exemplo, a questão do salário mínimo. Muitos ultra-direitistas dizem que não deveria existir. E eu digo que da mesma forma pensavam os liberais ingleses da época da revolução industrial, que empregavam mulheres, crianças e idosos, os faziam trabalhar 18 horas por dias e lhes pagavam apenas o bastante para comerem e olhe lá. O salário mínimo não surgiu como uma imposição ideológica da esquerda, mas como uma necessidade humana, como uma questão de sobrevivência.
Hoje se fala que deveríamos deixar o mercado ser governado pela "mão invisível", que é um apelo da ética protestante capitalista ao divino. Não precisamos de leis econômicas, Deus cuidará de tudo, o mercado de autorregulará. Bom, o mercado já foi assim no passado e podemos encontrar relatos de muitas pessoas que não saíram exatamente beneficiadas com esse modelo de pensamento.
Não por menos, surgiu o Direito do Trabalho. Não por menos surgiram, por exemplo, as normas de segurança do trabalho. Antigamente não havia nada disso, e então os trabalhadores iriam depender de quem?Da virtude do patrão?Se ainda hoje, com tantas leis e regulamentos - e louvado seja Deus por isso! - tantos trabalhadores morrem e se acidentam, imaginemos como deveria ser naquele tempo...
Concomitantemente, os mesmo direitistas que falam que o capitalismo trouxe a glória monetária, a multiplicação da riqueza e tantas outras benesses onde foi implantado, parecem ficar ligeiramente cegos ou leigos quando se trata de explicar o confisco das terras dos camponeses na Inglaterra e a ida forçada de trabalhadores para as fábricas. Pouco se fala das florestas devastadas para alimentar as fornalhas, pouco se fala das casa destruídas para dar lugar a fábricas. Pouco se fala dos homens substituídos e descartados pelas máquinas. Em nome do lucro e do "progresso", o homem foi jogado fora.
Em qualquer lugar, em qualquer área da vida onde não houver a figura da Lei para barrar o arbítrio humano, haverá a injustiça, a desigualdade, a opressão. Pensar o contrário é acreditar no homem. E o homem, é bem sabido, não é digno de fé, não é digno de confiança. A essas pessoas, eu recomendaria a leitura de outro protestante, esse um pouco mais coerente: Hobbes.
E da mesma forma o comunismo, com seu ateísmo militante, com sua despersonalização da pessoa humana, com seu super Estado e todas aquelas outras desgraças. Quanta morte, quanta dor, quanta miséria. O capitalismo e o comunismo, no fim dos tempos, descerão de mãos dadas até o fundo do inferno.
Outro dia desses, conversando com um amigo protestante a respeito do pecado, ele lembrou-me o que eu já havia esquecido. Pecado é errar o alvo. Mirar o bem, todos miramos. Mas, se erramos, pecamos. Erramos o alvo e praticamos o mal. Nesse sentido, comunismo e capitalismo são ambos, para mim, pecados abomináveis.
Se quiserem uma abordagem mais filosófico, mais transcendente, porque reconheço que, contra a vontade, estou deveras materialista nesse texto, mudemos o nome do princípio. Retomemos tudo o que eu disse antes e chamemos isso de "princípio da holisticidade, ou princípio da plenitude". Ora, catolicismo é exatamente isso, é universalidade, é plenitude. Plenitude da fé, plenitude da Lei de do Amor de Deus. Nada precisa ser excluído, mas tudo pode ser adaptado e submetido ao Evangelho do Salvador.
Isso é próprio do catolicismo, imperar sobre tudo, conquistar todas as formas de pensamentos e ordená-las na direção de Cristo. Muitos falam que a Igreja simplesmente copiou as ideias pagãs, ou as mostrou sob um outro prisma. Não concordo com isso. A Igreja, muito mais do que simplesmente copiar, verdadeiramente transmutou, metamorfoseou as ideias do mundo pagão, de todas as épocas, e dali retirou as verdades que possuíam, segundo os princípios evangélicos. E isto é algo que sempre me fascinou, porque como católicos, volto a dizer, com a medida de bom senso e sempre respeitando os princípios da fé, podemos desfrutar TUDO.
Certamente essa foi uma das grandes razões pelas quais continuei a ser católico mesmo em meus períodos passados de incerteza, e certamente essa é uma das razões pelas quais continuo sendo de forma cada vez mais animada e convicta um católico até hoje.
Da mesma forma como não concordo com SOLA DIREITA ou SOLA ESQUERDA, nunca concordei com SOLA ESCRIPTURA, SOLA GRATIA, ou tantos outros solas que podemos citar. Essa concepção reducionista de Deus, como se o mesmo pudesse ser engarrafado, a mim parece que não cabe, embora eu não esteja com paciência para desenvolver melhor essa temática agora, nem esse seja o objetivo do texto.
Foi o catolicismo que permitiu que Santo Agostinho bebesse da fonte de Platão nos primórdios da Igreja. E foi o mesmo catolicismo que permitiu a Santo Tomás de Aquino, cerca de mil anos depois, beber de Aristóteles, cuja linha de pensamento é radicalmente distinta. Todas as correntes de pensamentos, todos os ideais, todos os sistemas, todas as diferenças entre eles, tudo isso perde importância, tudo isso é mitigado diante do império glorioso de Jesus Cristo, que tudo atrai para Si, aparando as arestas, corrigindo os excessos e completando as lacunas, eliminando as heresias e fazendo com que todos os homens, cada qual com seu pedaço da verdade, caminhem juntos rumo à VERDADE DE VERDADE, por assim dizer.
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SANTO AGOSTINHO DE HIPONA |
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SANTO TOMÁS DE AQUINO |
Acabo de me recordar de mais uma passagem dos Evangelhos, que penso que serve perfeitamente como encerramento a esta ideia que estou a expor. A parábola em que Jesus Cristo nos fala do pai que retira do seu baú coisas novas e velhas. Coisas novas e velhas. Vejam a continuidade, a tradição implícita nessa passagem. Vejam a noção de liberalidade, e ao mesmo tempo de fidelidade aos princípios que essa frase tão simples encerra.
Aqui a diferença entre tradição e tradicionalismo fica evidente, bem como a diferença entre fundamento e fundamentalismo, e este jogo de palavras poderia igualmente se estender por vários minutos, mas novamente julgo que já me fiz entender.
E aqui lanço minha crítica final. Muitos católicos ainda não compreenderam isso. Que mesmo as heresias tem fundo de verdade. É por isso que diferenciamos entre heresia a apostasia. A apostasia, sim, erra perdeu totalmente o rumo. Mas a heresia, não. A heresia pode ser corrigida, a heresia pode ser ordenada. Em termos jurídicos, a apostasia seria uma nulidade absoluta, e a heresia seria uma nulidade relativa.
Nas comunidades eclesiais evangélicas (e meus leitores evangélicos me perdoem agora, mas como católico este é o ensinamento em que acredito), há a heresia, sim. Mas ela não impede que Deus se manifeste. Deus está lá, Cristo está lá. Não de forma plena, não completa, como na Igreja Católica. Mas está lá. Não se trata então de fazer guerra, não se trata então de eliminar, mas de ordenar, de dialogar, de corrigir. O católico deveria sempre ambicionar essa evolução plena enquanto ser humano, esse alcançar das luzes da sabedoria liberal, porém ordenada por princípios sólidos, Chesterton vai dizer algo nesse sentido, e eu aqui colocarei o que penso, mais ou menos baseado no citado Autor. O católico deve ser alguém extremamente liberal, contudo jamais deve renegar os princípios da fé.
E isto, eu bem sei, é uma aparente contradição, que honestamente não sei resolver em palavras, no momento. Mas na prática sei que não é, porque é assim que eu sou, e honestamente penso que dá certo. Oras, Cristo foi esse liberal rígido de forma excelente, de forma que se vocês não me entenderam, procurem olhar para Cristo, e então entenderão. Ele, a plenitude da Lei, muitas vezes burlou essa própria Lei, em nome da verdadeira Justiça e do Verdadeiro Amor. E que fique bem claro que não estou dizendo para que se faça o mesmo com a leis da Igreja!Estou dizendo apenas para aplicar na prática a lucidez do Messias.
Precisamos deixar de ver em Cristo uma figura de imposição. Cristo não é imposição, assim como o próprio Deus não é imposição Não somos marionetes de Deus, e nem o precisamos ser de ideologia alguma. Em Cristo, Deus se revela antes de mais nada como um professor, como um ser que ensina, que convence. Deus me convenceu de que está certo, Jesus me mostrou por "A + B" as suas razões, e fui seduzido intelectualmente por sua proposta. Eis aí uma grande lição de Cristo, mas seus seguidores ainda estão muito longe de aprender a praticá-la.
Acima de tudo, encerro postulando que no fim das contas o que falta mesmo é capacidade de diálogo. Falta alteridade, falta compreensão. Isso muito me entristece. O católico deveria ser a elite da humanidade, mas não em um sentido exclusivo, não em sentido de privilégio, mas sim em um sentido de dom, em um sentido inclusivo. Deveria ser o oposto do fariseu, deveria ser como Cristo no poço junto da samaritana, que em momento algum impôs pesados grilhões àquela mulher, mas a converteu por meio de uma argumentação exemplar.
Ou seja, Cristo sempre soube, e como seria feliz se nós soubéssemos disso também, que muito mais eficiente que a espada de aço é a espada de carne que é a língua. Durante muito tempo, os cristãos tentaram se impor de forma rígida, tentaram evangelizar através da espada. Mas a espada não evangeliza ninguém.
O Messias guerreiro esperado pelos judeus foi substituído por um Messias do diálogo, um Messias cujas palavras são verdade e vida. "Quem vive pela espada, pela espada morrerá", diz o mesmo a São Pedro, que queria a vitória do Mestre da mesma forma como muitos queriam e até hoje querem. Contudo, Cristo não é um ditador, mas um conciliador.
Aqui outra lembrança. Recentemente conversava com Padre Edson a respeito do que ele pensava sobre Papa Francisco. Ele me disse que Francisco veio reconciliar a Igreja. Eu perguntei com quem, e ele me respondeu:"Com ela mesma". Isto é deveras verdadeiro.
Para compreender essas palavras, contudo, é preciso sabedoria e bom senso. Acima de tudo, é preciso mais Cristo e menos ideologia. É preciso se preocupar menos com o capital e menos com o social, e mais com o ser humano, muitas vezes esquecido em meio a esses embates inúteis.
Todas essas coisas, contudo, ainda estão longe de abundar entre muitos dos que se dizem católicos. Muitos, cegos, e digo isto com todas as letras, ainda não se deram conta de que a Igreja hoje, muito mais do que cavaleiros, precisa de CAVALHEIROS da fé.
Mais do que capitalistas ou comunistas, o que o mundo precisa mesmo é de mais cristãos. Cristãos de verdade.
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