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terça-feira, 8 de maio de 2012

Sobre cheias e vazantes, literais e morais

Saudações, pessoal. Eita, dia cansativo, o de hoje. E desesperador, de certa forma. Com tantas coisas para fazer e os prazos judiciais se esgotando, logo hoje a luz inventa de falta por mais de duas horas e atrapalhar a vida de todo mundo. Graças a Deus os prazos da peça que estou fazendo no momento são para amanhã, se não eu estaria piradão, olha.

É, gente, em Manaus é assim. Mais um dia, mais uma batalha. Ontem foi o trânsito, hoje foi a chuva. Por Deus, como choveu! E o vento, então? Foram registradas 16 quedas de árvores, segundo o Corpo de Bombeiros, sem falar dos destelhamentos e tudo o mais. O Negro, como sempre, subindo, e o Solimões também. E eu, que achava que a coisa estava complicando pros lados da capital, vi umas imagens hoje do interior que me deixaram pra baixo.

Lá no Careiro da Várzea, por exemplo, um cemitério inteiro está debaixo d'água, a corrente levando embora as lápides, que em sua maioria são de madeira, já que o povo é pobre demais pra pagar lápides de pedra. Só algumas cruzes de pedra permanecem acima da linha da água, dando à paisagem um ar de morte sinistro.

Lembro-me especialmente de ter saído do prédio onde trabalho hoje para dar de cara com uma Av. Andre Araújo empossada, com galhos e folhas pelo chão, muitos como se tivessem sido arrancados com mãos humanas, tal eram es estilhaços que se podiam divisar no chão. Uma árvore em particular estava toda estrupiada, a calçada em redor retorcida. Certamente, se não houvesse ali uma calçada para dar suporte extra, aquele árvore teria sido derrubada. O que, numa avenida movimentada, é sempre maravilhosamente catastrófico.

Felizmente, as entidades que cuidam do povo estão se mexendo para tentar ao menos amenizar a situação. A Arquidiocese de Manaus, braço atuante da Igreja Católica, já reúne doações para o interior. As doações podem ser feitas em qualquer PARÓQUIA (vejam, bem, Paróquia, não igrejas e capelas comuns), e podem ser doados óleos, alimentos, roupas, cobertores, essas coisas. Para quem acha que a Igreja não está fazendo nada, uma informação útil. Para quem quer ajudar, uma informação mais útil ainda, já que os beneficiados são potencialmente milhares de pessoas.

O Exército também, finalmente, vai ajudar. 200 homens irão atuar em Manaus, apenas, auxiliando a defesa civil nos bairros afetados, especialmente em obras de contenção. Como é bem sabido, o Exército Brasileiro é especialista em construir, e construir bem, rápido e para durar. E a Marinha lançou hoje um navio com hospital e suprimentos em direção ao interior. Bem melhor, agora. Num país conhecido mundialmente pelo seu pacifismo, fico feliz que as Forças Armadas, das quais sou sincero admirador, possam exercer um serviço tão importante para a população.

Ultimamente, muito tem me incomodado essa situação das enchentes, tanto é que estou falando frequentemente sobre isso. Esse governo, sei não. Como podem demorar tanto para tomar alguma providência? É realmente sensacional! Sabiam que, no Careiro da Várzea, os agricultores analfabetos, iletrados, ignorantes, caboclos burros e desprezíveis (tudo isso na visão do governo, só pode) já em março levaram o gado para terras mais altas, prevendo a cheia anormal, e a Defesa Civil, com seus funcionários diplomados, cultos, pagos com o dinheiro do povo, não conseguem pensam em nada melhor a não ser chupar o dedo enquanto o povo se afoga por causa da incompetência desses comedores de brioche?

Sério, minha decepção com administração pública aumenta em progressão geométrica, todos os dias. Impressionante. Sabe aquela coisa que deixa você sem ação, de tão impressionado? Pois é! O espírito de mediocridade e estagnação dessas repartições me faz sentir uma tristeza enorme. Vida boa, procrastinação, enrolação institucionalizada. Chamem do que quiserem, mas o fato é que na verdade eu queria dispor de palavras bem menos decorosas aqui, mas o respeito ao leitor não me permite fazê-lo.

Não é querendo puxar o saco dos ianques, não, mas ultimamente tenho lido uns textos estadunidenses e tenho podido observar como os americanos encaram o trabalho, e mesmo o funcionarismo público, de uma forma totalmente distinta da nossa. Todos na América são unidos em torno do ideal do trabalho.

Católicos, porque o trabalho é das coisas mais exaltados pela Igreja. Não à toa, temos a famoso estilo de vida do ORA ET LABORA, literalmente ORAÇÃO E TRABALHO. Protestantes, porque desde muito cedo eles levaram esse conceito muito a sério, até, reconheço, mais do que os católicos.

Tanto é que o autor alemão Max Weber, em seu famosíssimo livro A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO, bem elucida porque esse sistema teve tanto sucesso em países como a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos, todos países de forte influência protestante, ao passo que nos países católicos o mesmo não é verdade. Querem uma prova do que eu digo? Basta olhar a Zona do Euro. Quem são os chamados PIGS? Ora, nada mais, nada menos que Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, países famosíssimos por seus níveis quase unânimes de catolicismo.

Aliás, isso muito se deve ao fato de nós, católicos, evitarmos misturar as preocupações religiosas com as chamadas preocupações mundanas, e termos uma teologia de desprezo à riqueza que pode ser facilmente observada, por exemplo, nos irmãos franciscanos, com seus três votos: CASTIDADE, POBREZA E OBEDIÊNCIA. Ou seja, estamos diante da renúncia aos prazeres da carne, da renúncia aos prazeres da riqueza e da renúncia aos prazeres de ser dono de si. É o cúmulo do catolicismo.

Os protestantes, por outro lado, sempre encararam o mérito, e especialmente a riqueza, como uma benção de Deus. Sendo extramente superficial, na ética protestante, quanto mais rico se é, mais abençoado se é. E isso, claro, é algo com o qual o capitalismo meritocrático se alinha perfeitamente. Daí que o capitalismo e os países protestantes prosperaram, ao passo que os países católicos em sua maioria ficaram para trás, já que a filosofia de seus povos era incapaz de se adaptar ao novo sistema econômico.

Eu mesmo, como católico, não tenho a pretensão de ficar rico, porque considero a riqueza um vício extremamente perigoso, que, sob a falsa justificativa de tornar a vida mais fácil, na verdade torna o homem auto-suficiente, fazendo com que este, portanto, dê margem ao seu orgulho e se esqueça da superioridade e da necessidade de Deus.

Claro que este não é o único fator, especialmente hoje, onde as pessoas estão tão rapidamente se esquecendo da importância da religião e mesmo se opondo abertamente a ela, especialmente com os movimentos neo-ateístas.

Lembrando que ateu é uma coisa e neo-ateu é outra. Ateu clássico é simplesmente aquele que não acredita e fica ali, na dele, ou milita contra a religião baseado em sistemas substitutos. Por exemplo, a maoria dos Ateus clássicos quer a extinção da Igreja e sua substituição pelo Estado, que passa a ser a solução para todos os problemas. Nem vou dizer que essa é uma ideia furada porque todo mundo já sabe que é, basta ver sobre o que eu comentava no começo desse blog O neo-ateísmo, por outro lado, é um movimento de caráter especialmente belicoso, uma militância anti-religiosa sem objetivo posterior, apenas a simples erradicação da religião.

Enfim, voltando tardiamente ao assunto, muito me revolto com esse governo, tão lento em ajudar aqueles que mais precisam, e com seus funcionários que, instalados confortavelmente em suas salas climatizadas, se esquecem que fora de suas repartições quadradas há um mundo redondo que gira e geme de fome e sede de Justiça todos os dias.

Não estou dizendo para todo mundo de repente se mancar e começar a fazer as coisas direito. Não sou iludido, nem ingênuo quanto a esse ponto. Sei que isso jamais vai acontecer. Sou pessimista por natureza e minhas convicções escatológicas só me dizem que a tendência das coisas é piorar cada vez mais.

Mesmo assim, não custa nada, de vez em quando, alguém olhar além do próprio umbigo e, ainda que de má vontade, fazer o bem. Não para mudar o mundo, nem o país, mas quem sabe a si mesmo e ao próximo. Quem sabe, em meio à sujeira e à perdição, não possamos fazer para nós mesmo nem que seja um cantinho de luz e retidão, um oásis de boas ações nesse deserto moral em que vivemos?

Sei lá, cara. Ou isso ou é melhor morrer de vez, ou assumir logo que a gente não presta. Se render de uma vez aos nossos impulsos mais egoístas e prevaricadores, e rasgar loga nossas vestes e correr pelados por aí, como macacos à procura de um buraco pra enfiar. Com efeito, não estou nem um pouco disposto a fazer isso, mesmo que tenha de passar o resto da minha lutando contra tudo e contra todos, especialmente contra mim mesmo.

Porque no fim, pessoal, não é uma questão de Igreja, de Estado, de católico, protestante, ateu, capitalista, comunista, vascaíno ou atlético de piriúnas. Tudo isso é só introdução, é só capara de algo muito mais profundo e querido por Deus, algo indefinível, capaz tanto de ascender ao mais alto dos céus como de descer ao mais infernal dos abismos. Tudo isso é apenas para chegarmos a mim, chegarmos a você, e a tudo o que isso implica.

Que Deus nos ajude e nos guie. Em verdade, ELE já vem fazendo isso há muito tempo. Quem porém, parou para escutá-lo?

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