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sexta-feira, 15 de junho de 2012

LABORE (parte 1)

Depois de voltar do longo feriado prolongado causado pelo fato de o Corpus Crhisti desse ano ter caído em uma quinta-feira, depois da volta ao trabalho no escritório, eu estava mais do que ansioso para escrever alguma coisa sobre como estar de volta ao trabalho. Aliás, sobre como é bom trabalhar.

Tudo bem, concedo o referido mérito aos que não gostam de trabalhar e reconheço que é bem possível que eu seja um dos poucos que fala com tanto prazer dessas coisas. Na verdade, sou das pessoas mais suspeitas do mundo para falar nisso, eu e qualquer outro cristão minimamente convicto de suas crenças na Divina Revelação.

Para o cristão, o trabalho é mais do que uma simples atividade, um desgaste de forças ou um suplício, um sofrimento, como ensina a filosofia principalmente dos gregos. É bem verdade que, de acordo com o Livro do Gênesis, inicialmente o homem não precisava do trabalho, uma vez que vivia no Jardim do Éden. Tudo estava ao alcance da mão, era uma belezura, e o trabalho surgiu, na verdade, como um castigo de Deus pela desobediência de Adão e Eva, os quais, por sua rebeldia para com o Deus Criador que havia lhes dado não só a vida como também todas as facilidades com as quais passamos a vida inteira sonhando, agora haveriam  de ter que trabalhar para viver.

Tudo bem, agora que já fui democrático, citando as fontes da filosofia e as fontes do cristianismo (por tabela, do judaísmo, também, e só não cito as fontes islâmicas por notória falta de conhecimento, mesmo), incluindo crentes, agnósticos e ateus na minha digressão, posso prosseguir com a sensação de que não deixei ninguém de fora (eu disse sensação porque é óbvio que sempre alguém ficará de fora, mas como eu já disse várias vezes, este é um blog razoável).

O que podemos perceber, logo de cara, é que no início da humanidade, ou do pensamento humano organizado o suficiente para se constituir em fonte de conhecimento (o que para os fins deste blog dá no mesmo), o trabalho era visto como algo ruim, sofrível, uma desgraça, mesmo. Não à toa, a opção que os homens criaram para não matar seus prisioneiros de guerra foi exatamente escravizá-los. Quer dizer, o trabalho era visto de uma tal forma que o camarada preferia ir pra GUERRA, se arriscando a morrer com uma flechada, machadada, espadada, apunhalada, pedrada e por aí vai, apenas para ter a boa sorte de escravizar algum infeliz e não ter que trabalhar nunca mais.

Isso vale, em gradações maiores e menores, tanto para o Oriente quando para o Ocidente. Claro que especialmente os japoneses, coreanos e chineses até hoje possuem uma visão do trabalho bem diferente da nossa, ocidentais de mentalidade européia, e é lindo quando tenho tempo para admirar os escritos asiáticos a respeito de como eles encaram o trabalho e o descanso. Sério, recomendo a leitura, ajuda bastante a entender de onde eles tiram toda aquela eficiência robótica, embora robôs eles não sejam, apenas homens com uma mentalidade diferente.

O que eu posso dizer aqui, mais uma vez tentando unificar as teorias humanas a cerca do trabalho, é que o homem só queria, e ainda hoje só quer, em termos gerais, trabalhar para recuperar aquele Éden perdido, ou, em sendo religioso que acredita em vida após a morte, conquistar o Paraíso tão sonhado. Isso vale tanto no sentido material quanto no espiritual. Queremos de volta aquilo que já tivemos, seja quando éramos bebês mimados seja quando éramos Adão e Eva andando peladões numa boa por entre os leões inofensivos e as frutas fartas. Queremos a facilidade, queremos a vida mansa e boa, queremos dormir, relaxar e ficar "de boa".

É deveras complicado encontrar alguém que pense de forma diferente, e ressalte-se que em momento algum estou dizendo que isso é errado. Na minha humilde opinião é totalmente compreensível e aceitável, o homem apenas tem a nostalgia incontrolável de recuperar aquele status de "não fazer nada" que originalmente lhe pertencia. Aquele estágio do "homem bom" De Jean Rousseau, aquela condição de pureza de Adão no Éden, enfim. Me impressiona parar para pensar e ver como as grandes correntes do pensamentos humano sempre partem da premissa de que o homem originalmente ocupada uma elevada posição mas que então decaiu dela e hoje somos esses pedaços de carne que você vê na rua, um bando de zumbis não-oficiais.

Não à toa temos as religiões fazendo tanto sucesso, afinal a proposta delas é RELIGAR o homem ao que ele já foi antes, à sua essência primeira, seja na pessoa do Criador seja na pessoa do Universo, seja na Santíssima Trindade ou seja "no deus que há em mim e no deus que há em você" (hindus).

Enfim, falando eu de coisas tão amplas aqui, acabo me empolgando es esquecendo-me de que estava falando apenas do trabalho. E voltando ao assunto do trabalho, vemos que foi apenas com advento do Cristianismo no Ocidente que o trabalho adquiriu um outro enfoque, passando a ser encarado de uma forma mais nobre, um meio para se atingir a santidade e para a realizar-se como ser humano tanto em termos materiais quanto espirituais.

Isto se traduz especialmente no fato de que a escravidão, forma padrão de trabalho no mundo antigo, foi aos poucos sendo substituída por um regime mais brando, qual seja: a servidão. Já não falávamos mais de escravos, portanto, mas de servos. Para o homem pós-moderno é complicado entender e mesmo perceber o que isso quer dizer, muito especialmente porque na prática as coisas não mudaram tanto assim do ponto de vista de nós, modernos trabalhadores assalariados protegidos por nossas Cartas Magnas.

Mas na época, por Deus! Que revolução que foi isso! O simples fato de que o trabalhador poderia, em sua gleba, tirar alguns dias da semana para trabalhar em sua própria terra, foi evolução digna de nota e elogio! Além disso, enquanto que o escravo era totalmente submisso de seu amo, sendo reduzido a mera "coisa" para todos os efeitos jurídicos, no feudalismo ele já adquiriu o "status" de pessoa, embora ainda de forma muito deficiente, faz-se mister ressaltar.

O que vale para o destaque é o seguinte: a evolução da forma como o trabalho passou a ser encarado traduziu a forma como o próprio homem passou a ser encarado, uma vez que, como filhos de Deus, todos ganharam uma importância muito maior aos olhos do ordenamento jurídico da época, o qual era todo ele sustentado pela autoridade das Sagradas Escrituras e pelos postulados a respeito de tais escrituras que vinham do Magistério da Igreja de Roma.

Nessa época, apenas para se aprofundar um pouco no assunto, o Direito Canônico foi o primeiro conjunto de Leis baseado na igualdade formal entre os seres humanos, justamente pelo fato de todos serem filhos de Deus. Hoje, chamamos isso em nossos Estados Laicos de "Princípio da Dignidade da Pessoa Humana", ou seja, o home é valioso pelo simples fato de ser homem. Sua própria essência é digna de respeito. Para os humanistas atuais, por ele ser humano. Para os religiosas da época em que tal ideia surgiu e para os atuais também, porque "foi criado à imagem e semelhança de Deus".

Para superarmos logo esse estágio e avançarmos na história, vejamos uma frase que resume bem como era encarado o Trabalho na Idade Média:

"ORA ET LABORA"

A frase acima, que significa literalmente "ora e trabalha", é a frase síntese da chamada Regra de São Bento (em latim, REGULA BENEDICTI), que originalmente servia para regular o modo de viver e agir em um monastério regido por um abade, mas que acabou se espalhando rapidamente para fora dos monastérios e logo tomou toda a Europa.

Especialmente a partir do século VIII, quando os Carolíngios ordenaram que esta fosse o único código de conduta cristão aceito em seus territórios, ela se tornou quase que um monopólio entre os cristãos católicos, e mesmo após a reforma protestante, sua essência continuou a ser muito utilizada não apenas pelos católicos, mas também pelos anglicanos de uma forma mais pura e pelos protestantes em geral de uma forma um pouco mais defasada, afinal eles na verdade usaram as ideias de São Bento como base para a criação de outras, porque jamais poderiam admitir seguir os preceitos de um santo católico.

Apenas abrindo um pequeno parênteses, eu mesmo sou uma pessoa que muito admira São Bento, homem que foi simplesmente fundamental para a Igreja primitiva. Até hoje suas tradições e ensinamentos são muito difundidos na Igreja Católica, e especialmente os exorcistas tem com ele uma relação muito especial, visto que sua vida foi fortemente marcada pela luta contra o diabo. Inclusive, isto pode ser observado pela própria oração de São Bento:

"Cruz Santa, seja a minha luz. Não seja o dragão o meu guia. Retira-te, satanás, nunca me aconselhas coisas vãs! É mal o que ofereces. Bebe tu mesmo os teus venenos. Amém."

O resumo dessa oração consta da Medalha de São Bento, que eu levo incrustada em meu crucifixo. E o mais legal de tudo é que o resumo é em latim! Muaháháháháháhá!!! Enfim, parênteses feito, sigamos. Mas primeiro, uma foto do dito cujo pra vocês sentirem o poder:

Picture

Percebam que o trabalho, então passou, por força dos estudos dos monges, a ser considerado fonte de salvação, porque combate a preguiça, que é um dos sete pecados capitais estipulados pelo Papa e posteirormente santo, Gregório, o grande. Apenas para que ninguém pense que não há embasamento bíblico, mas apenas " vãs tradições dos homens", como dizem alegremente alguns protestantes para eximirem-se da Sagrada Tradição Apostólica, segue um exemplo da importância do trabalho tanto no Antigo quanto no Novo Testamento:

" Do Trabalho de Tuas mãos hás de viver. Serás feliz. Tudo irá bem..." (Salmo 127, 2)
"Quem não trabalha não deve comer." (Segunda Carta de São Paulo aos tessalonicenses, capítulo 3, versículo 10)
Agora que estamos, acho eu, todos satisfeitos, tanto os católicos obedientes à Escritura, à Tradição e ao Magistério quanto os protestantes e seu famoso SOLA SCRIPTURA, podemos prosseguir, afinal este é, como já falei outras vezes, um blog democrático que procura reunir argumentos de todos os lados. Ateus, desculpem, os filósofos e pensadores em geral da Idade Média eram quase todos cristãos, não deu pra arranjar nada pra vocês pelo menos até agora. Foi mal, de verdade, verei o que posso fazer por vocês agora que vamos entrar na Idade Moderna e tudo o mais.

Bom, senhores, o fato é que este post está ficando grandinho, então irei dividi-lo em partes. Vai ficar melhor para todo mundo. Vou parar esse por aqui e conforme for aprontando as outra partes, publicarei. No próximo post, vou continuar a discorrer sobre o tema.


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