Há, neste país, uma
característica moral que me entristece em alguns momentos e me irrita em
outros. Na maior parte do tempo me irrita, confesso. Me irrito com muitas
coisas, e com essa em particular.
Sinto uma predileção especial,
quase um prazer particular, privado, privativo. Uma exclusividade minha, embora
eu saiba que isso de forma alguma é verdade. Enfim, se sonhar que é sonhar não
é proibido, penso ser lógico dizer a mim mesmo que contar uma ou outra
mentirinha para si mesmo também não o é.
Enfim, imaginem vocês que dia desses
estava eu em um desses eventos sociais onde as pessoas se reúnem para comer,
beber e rir como se fossem os seres mais felizes deste lado da galáxia. Em
determinado momento, encontro um amigo de longa data, que logo me vem querendo
saber as opiniões sobre algumas questões morais complexas demais para discutir
em festas, mas que se pode fazer, eu não resisto a isso.
Em determinado momento,
discordamos. E discordamos de forma inesperada. Porque, enquanto eu pontificava
contra falcatruas, enquanto eu discorria contra o peculato, contra manipular a
Lei a seu favor, contra receber certos imorais favores, sou subitamente confrontado
exatamente por esse meu amigo, que quase parte minha intelectualidade ao meio
quando solta esse jargão nacional: “não, Carlos, você tem que ver que o mundo é
dos espertos”.
Anos de amizade e sincera admiração
explodidos pelos ares em apenas 3 segundos. Não a amizade, claro, mas com
certeza uns 80% da admiração. Demorou 8 anos para que eu finalmente me desse conta da figura
que estava ali, sentada à minha frente. A figura de um “esperto”. A figura de
um malandro.
Uma das principais dificuldade de
adaptação de um jogador brasileiro quando vai jogar na Europa é que na Europa
não tem essa de "o mundo é dos espertos”. Lá, Neymar jamais se criaria, e
não porque ele é ruim, aliás ele não é. Mas porque ele é malandro. Malicioso.
Trapaceiro.
Aqui no Brasil, ele tem em todos os setores da
sociedade defensores, gente malandra que nem ele, que se acostumou a galgar os
degraus da vida pelas beiradas, pelos cantos obscuros, pelos métodos
heterodoxos, para me usar de uma expressão incomum que não traduza de forma
literal meus sentimentos de “profundo amor e carinho” por essas pessoas. Na
Europa, sairia de campo vaiado, execrado, humilhado. O homem europeu, mesmo
sendo trapaceiro e sujo como todos os outros homens, não admite a trapaça. Pelo
menos não a trapaça escancarada, a trapaça pública. Se o europeu peca, e é
lógico que peca, ao menos tem o mérito de pecar de forma discreta. Até nisso o
brasileiro me intriga. Seus pecados são escandalosos.
Vemos o término do julgamento do mensalão.
Meu Deus, Princípio e Fim de todas as coisas, que paira acima do tempo e do
espaço, acima do Kronos, acima de tudo. Que ridículo. Que vergonha. No Rio de
Janeiro eles até organizaram uma passeata para comemorar a condenação da
quadrilha mais chique que esse país já teve notícia.
Antes de comemorar também,
leitor, peço que você raciocine comigo. Se vivemos em um país que precisa COMEMORAR
a condenação dos criminosos, o que isso nos revela a respeito deste mesmo país?
Indo mais longe, o que isso nos revela sobre as pessoas que constituem esse
país, o que isso nos revela sobre nós mesmos?
Dizem que, na democracia, nada
representa mais o povo do que o seu Congresso. No Brasil, isto é absolutamente
verdade. Aliás, se o Brasil existisse no tempo de Maquiavel, penso que ele nos
citaria várias vezes como uma das mais autênticas democracias do mundo. Aqui, não
apenas a vontade, mas o próprio espírito do povo brasileiro adentra nosso
Parlamento e o habita, confortavelmente.
O que diferencia um deputado de
um homem escolhido aleatoriamente na rua? Em muitos casos, apenas o cargo,
porque a mentalidade é a mesma, o espírito maquiavélico é o mesmo. Em nome de
vencer, em nome de “se dar bem”, vale qualquer coisa, inclusive trapacear,
jogar sujo, iludir, ludibriar. Afinal, o mundo é dos espertos, frase maldita.
Aliás, se o mundo é dos espertos eu não sei. Mas o Brasil, não tenho dúvidas.
Aliás, talvez seja esse o nosso
problema, sabe. Somos democráticos demais. Talvez devêssemos aprender um pouco
mais com Montesquieu, sabe. Nosso conceito de democracia está errado.
Aprendemos, espalhamos, lemos no dicionário, que a democracia é a forma de
governo onde a soberania é exercida pelo povo. Se isto for mesmo verdade, meu
Deus (!), que desastre! Colocar qualquer povo no poder é uma ideia assustadora.
Colocar o povo brasileiro no poder é um suicídio coletivo.
Democracia de verdade é aquela
onde quem manda é a Lei. Não o espírito do povo, mas “O espírito das Leis”
obra-prima do nosso amigo Charles Montesquieu, do qual sou o maior fã, e menos
pelo fato de ele ser considerado o pai da democracia moderna do que por ter
sido um dos maiores expoentes católicos que a França já teve.
Oras, o que eu estou dizendo pode
ser politicamente incorreto, mas é a verdade e todos sabem disso! Você
colocaria um popular para cuidar de suas finanças, de sua casa, de sua família?
Creio eu que não, então como pode achar normal a ideia de colocar um popular
para cuidar de sua própria pátria? Isto só pode significar, para mim, eu ou
você é indiferente ao seu país ou o despreza completamente.
O que digo, digo porque amo meu país.
Não amo a democracia, pelo menos não essa democracia que vivemos. Se fosse a
democracia estadunidense, vá lá, pelo menos lá esses se guiam por Montesquieu,
enquanto aqui somos conduzidos por um senhor feudal com nome de animal marinho
e sua marionete mascarada de botox. Aliás, o tal do mensalão jamais teria
acontecido se certas pessoas “populares” não tivessem chego ao poder.
A democracia erra na essência,
erra em dar o poder de decisão ao povo, e o povo não sabe decidir, não sabe
escolher, por isso quando escolhe, escolhe mal. Porque não escolhe para o bem
do país, escolhe apenas para si. O povo é egoísta, não tem o mínimo de
patriotismo, sabe o hino do Flamengo e o do Corinthians, mas não sabe o hino do
Brasil, e, diga-se de passagem, nem quer saber.
***
Pitaco nas eleições manauaras. Não
é por acaso que os mais populares de todos os populares apoiam Vanessa.
Manipulada, repetidora do que lhe mandam dizer, superficial, adepta de táticas
escusas e desonestas, ela é a personificação de todas as características mais
marcantes do povo brasileiro. Por isso, quanto mais se é povo, mais se ama
Vanessa.
Artur, por outro lado, instruído,
faixa presta, viajado, é um alienígena para essas pessoas. Um ser de outro
mundo, provavelmente uma pseudo-divindade sinistra, cuja história assustadora
os pais contam para os filhos, para lhes fazer obedecer-lhes. Artur é incompreensível
para eles. Porque fala de amar Manaus, fala de fazer por Manaus.
E o povo, como é bem sabido, é
incapaz de amar quem faça algo por qualquer outro ente que não ele mesmo. Ainda
por cima, é ciumento, esse povo. E viva a democracia...