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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Considerações insones sobre o Amor

“Apenas me dê um rei para servir”, disse o cavaleiro. “Tudo o que eu peço é um senhor para servir e uma donzela, para levar suas cores na batalha. Tudo o que eu quero é um rosto de mulher que me faça ter vontade de voltar vivo para casa.”



Era um costume antigamente, quando a honra era defendida com espadas e com os próprios braços, e não com os braços dos outros, que os cavaleiros levassem, de alguma forma, as cores de uma dama em batalha. Os campeões do rei, especialmente, antes de um combate singular, passavam em frente às mulheres da corte, com a lança estendida. Se alguma dama assim o desejasse, esta amarrava seu próprio lenço à lança do cavaleiro, aquele mesmo lenço que nas histórias românticas as mulheres deixavam cair, apenas para atrair o homem desejado, e o cavaleiro ia para a batalha sabendo que havia um corpo de mulher para seu proveito posterior. Isso, é claro, se ele sobrevivesse.

O fato é que todo homem, ou pelo menos quase todo homem, ou pelo menos quase todo homem mais ou menos parecido comigo, que afinal de contas é quem está escrevendo e que tem o privilégio de poder pontificar as próprias opiniões, quer ter alguém para quem voltar.

Não esqueço nunca daquele filme, Mulan, e quero crer que muitos de meus leitores (embora ironicamente meus leitores não sejam muitos, o que torna todo o parágrafo uma grande incongruência fictícia), em que os soldados cantam aquela música, cujo refrão é exatamente a última frase do parágrafo. “Queremos ter...alguém pra quem voltar.”
***
Acho um erro crasso dizer que os homens românticos estão em falta nos dias de hoje. Homens românticos sempre estiveram em falta, uma vez que não é da natureza do homem ser romântico. E aqueles que o são, geralmente não se dão muito bem com isso. Fico especialmente intrigado com o fato de que, no seminário, a maioria dos homens são extremamente românticos. O que é requisito fundamental se você está, afinal de contas, no caminho para se entregar de corpo e alma para um ser supremo que você nunca viu.



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Fala-se dos autores românticos da segunda geração como homens frustrados, como pobres coitados. Isto também não é verdade, não devido ao fato de o romantismo deles basear-se em amores idealizados, pelo menos. Às vezes, sim, tudo bem, mas muito mais devido ao estilo de vida verdadeiramente suicida que levavam. Creio que, nesse ponto, o parnasianismo veio bem a calhar. Alguém precisava pôr um fim naquele destempero todo.

Pode-se dizer que eu mesmo tenho muito de um típico parnasiano, uma vez que estou sempre buscando inspiração na simplicidade e nos valores do passado. A diferença é que os parnasianos, recém saídos da idade media, refugiavam-se no período clássico, e eu, mergulhado até o pescoço na idade contemporânea, regrido à Idade Média em busca do meu código de conduta e filosofia. Digamos que eu seria um parnasiano por equiparação, e isso já se utilizando de muita licença poética.

O que eu não gosto é de romantismo forçado, de coisas que não nascem do coração. O amor não se limita por gestos, não se demonstra por meio de protocolos. Cada um o demonstra como lhe é possível, e a simples possibilidade do amor deveria ser celebrada como um milagre público. O amor deve ser natural como tudo o mais, e ao mesmo tempo, extraordinário como só ele.



O amor verdadeiro é o amor do servo. O amor que se doa, que se anula pelo outro. Isso é que é amor. O resto é interesse. Não abro mão de meus conceitos idealizados e puritanos com relação ao amor. O amor não é apenas um sentimento, é uma ideologia, é um ente à parte. O amor em si mesmo é algo pelo qual vale a pena morrer, porque, como diz a música, "de que vale o paraíso sem o amor?"

Muito me inspiro nos cavaleiros, ou na imagem romântica dos cavaleiros. A verdade é que, afora personagens como El Cid, a maioria dos cavaleiros era muitas coisas, menos romântica e incorruptível. O sangue europeu é um sangue belicoso por natureza, como o é dos seres humanos em geral, e a guerra pode ser muitas coisas, mas ela com certeza não pode ser moral. Partindo do princípio de que os cavaleiros lutavam sem parar a serviço de vários nobres e reis, e que a cidade que você defendia hoje poderia ser sua inimiga amanhã, uma moral ao menos ambígua era um resultado natural de sobreviver a sucessivas batalhas. A frase “herói bom é herói morto” pode muito bem ter nascido daí. Se não nasceu é realmente uma pena, porque se encaixa perfeitamente.

Morrer por amor. Se eu faria isso? Não posso garantir que sim, mas é um velho sonho. Coisas de pessoas românticas e abnegadas. Absolutamente não recomendo. Eu morreria pelo ser amado, ele viveria para ficar de luto por mim por um tempo, e depois encontraria outra pessoa. Mas é claro que estou falando isso apenas para dar vasão à minha veia catastrofista. Quando se ama, isso é a última coisa que passa na sua cabeça.

Lembro-me de quando eu era adolescente, acho que a idade mais lesa da vida de uma pessoa, mais lesa até mesmo do que a sua infância. Enquanto os outros rapazes ficavam imaginando pegar suas musas inspiradoras e levá-las para um encontro romântico que invariavelmente terminava com um beijo (por beijo entendam algo, claro, mais além), eu sempre imaginava que, em alguma situação hipotética, levava uma bala pela garota e me esvaía em sangue para que ela pudesse continuar viva.

A questão é que, fosse nas minhas fantasias, fosse na realidade, eu nunca ficava com a garota. No final, tudo sempre não passava de um sonho, e o acordar era sempre caindo da cama.



A grande verdade é que nunca tive lá muitas esperanças com nenhuma menina da qual gostei. Quando se é um poeta-desenhista-religioso-romântico em um meio social onde o simples fato de usar uma cruz no peito automaticamente o rotulava de "padre", e onde a única arte que importava era dançar, entre outros fatores como a minha fama de ser maluco, as coisas realmente não podiam lá ser muito diferentes.


E mesmo assim, quando eu via, lá estava eu gostando da moça, mesmo sabendo que as chances de que houvesse algo entre nós serem as mesmas de, por exemplo, eu ir dormir daqui a pouco e amanhã ser acordado com a notícia de que na verdade eu descendo de abastados nobres europeus, e estou me mudando para Londres ou Paris semana que vem, e adeus, seus otários, nunca mais me verão por aqui, a não ser para escrever sobre como eu sou rico e como minha vida é uma sucessão interminável de festas, risadas e orgasmos (só que não).

Gostava, fazer o quê. Não tinha muito o que fazer. O diabo é que a gente realmente não manda no coração, o que todos nós já lamentamos mais de uma vez ao longo da vida. E em algum momento acabamos nos perdendo sabe, no meio disso tudo, no meio da vida. Quando vimos, tudo está tão complicado, que nem sabemos como, afinal de contas, fomos parar ali.



O fato é que amor, para mim, pelo menos amor entre homem e mulher, sempre foi sinônimo de sacrifício, abnegação e esquecer a própria vontade. Meus amores sempre foram os mais idealizados, porque a realidade sempre foi deveras diversa do que eu gostaria que fosse. E nem por isso morri ou perdi a fé no amor. 

***

As pessoas se preocupam demais com o fim do mundo. Deveriam era se preocupar com o fim do amor. Isso, sim, é um problema que me tira o sono. Não vale a pena viver sem amor. Todos sabem disso. Você pode se cercar de dinheiro, pode se cercar de distrações, mas todo esse esforço não passa de um grande empreendimento para que você consiga, na sua cabeça, evitar de ter que encarar por si mesmo o tamanho e a magnitude de sua própria miséria.

O outro, às vezes, torna-se absolutamente necessário, pelo simples fato de que ele me dá uma chance de escapar de mim mesmo. Às vezes, não queremos nada não ser esquecer um pouco os nossos próprios problemas, mesmo que o preço seja pensar no problema dos outros. Não é difícil encontrar pessoas que levam a vida resolvendo a vida dos outros enquanto a sua própria existência permanece inexoravelmente insolúvel.

Quem acompanhou a carreira do Doutor Hunter Doherty Patch Adams, ou pelo menos, como é o meu triste caso, viu o filme (não, assumir a sua mediocridade cultural não te torna menos medíocre, mas em geral os leitores apreciam a sinceridade alheia, ainda que eles mesmos não sejam lá muito sinceros. Claro que isso não inclui vocês, meus leitores. No que me diz respeito, enquanto vocês continuarem visitando meu blog, são as melhores pessoas do mundo, e sempre vou incluí-los nas minhas orações. A menos, é claro, que eu esqueça), lembra-se que uma das críticas infundadas que se fazia ao trabalho do grande médico era que tudo aquilo na verdade não passava dos anseios de uma alma inadequada de distrair a mente da sua própria loucura.

O ideal do cavaleiro, o ideal do servo, é exatamente esse. Anular-se, esquecer de si mesmo, em prol do outro. João Batista falava a respeito de Jesus: “é preciso que ele cresça, e que eu diminua.”

Nenhum ser humano é uma ilha. Ninguém se vale sozinho. Se o homem se valesse sozinho, jamais teríamos nos juntado e constituído sociedade. Nem mesmo o argumento do sexo seria suficiente. O reino animal está repleto de seres que se unem apenas para a cópula e depois nunca mais. A despeito de muitas pessoas fazerem mais ou menos a mesma coisa, vocês entenderam o que eu quis dizer. Uma das piores coisas que você pode fazer com alguém é deixá-lo sozinho consigo mesmo por muito tempo. Depois de um tempo, é verdadeiramente insuportável.

O outro nos salva, e nos salva de nós mesmos. Nos salva da nossa miséria, da nossa incompletude, enfim, nos embriaga consigo. O outro é viciante, necessário, sagrado. E quando adicionamos amor à equação, tudo fica perfeito.

Vejo muitas pessoas procurando mil fatores no outro, para “dar um chance”. Fulano tem que ser bonito, cicrana tem que gostar de tal estilo musical. Tanta discussão fútil, e esquecem do essencial. Tantas exigências, como se alguém afinal de contas fosse grandes coisas nessa vida. Tira o carro e a grana do perfeitinho, e quero ver se ele não é só mais um miserável andando sem rumo nas estradas da vida. Luis Fernando Veríssimo afirma, e eu concordo com ele, que todo ser humano pode, por mais rico e cheio de adereços e acessórios que possua, ser facilmente reduzido ao seu “idiota essencial”, basta você colocar ele na frente de uma arma, ou atrás de uma mulher.



Em última análise, muitas vezes vamos ao outro porque o outro nos permite ver a nós mesmos, não como os babacas que sabemos que somos, mas como alguma outra coisa. Afinal, se aquela pessoa maravilhosa foi capaz de gostar da gente, talvez a gente não seja tão ruim assim. O encontro com o outro é encontrar com um outro eu, um eu que vale a pena olhar no espelho todos os dias e, para variar, se sentir bem por estar vivo.

O amor realmente é fundamental para a humanidade. Se não existisse o amor, nós nem existiríamos, para início de conversa, pelo menos se você é cristão. Se você é ateu, bom...nós existiríamos, mas sem amor e sem possibilidade de vida eterna ao mesmo tempo, vocês hão de convir comigo que muito antes de a gente nascer nossos ancestrais iriam simplesmente concluir que simplesmente não valia a pena estar vivo e teriam se matado há muito tempo.

Ou seja, sem amor até mesmo este texto não existiria. Com tudo o que isso implica.



Moral da história: larguem de frescura e comecem a se amar.