“Apenas me dê um rei para servir”,
disse o cavaleiro. “Tudo o que eu peço é um senhor para servir e uma donzela,
para levar suas cores na batalha. Tudo o que eu quero é um rosto de mulher que
me faça ter vontade de voltar vivo para casa.”
Era um costume antigamente,
quando a honra era defendida com espadas e com os próprios braços, e não com os
braços dos outros, que os cavaleiros levassem, de alguma forma, as cores de uma
dama em batalha. Os campeões do rei, especialmente, antes de um combate
singular, passavam em frente às mulheres da corte, com a lança estendida. Se
alguma dama assim o desejasse, esta amarrava seu próprio lenço à lança do
cavaleiro, aquele mesmo lenço que nas histórias românticas as mulheres deixavam
cair, apenas para atrair o homem desejado, e o cavaleiro ia para a batalha
sabendo que havia um corpo de mulher para seu proveito posterior. Isso, é
claro, se ele sobrevivesse.
O fato é que todo homem, ou pelo
menos quase todo homem, ou pelo menos quase todo homem mais ou menos parecido
comigo, que afinal de contas é quem está escrevendo e que tem o privilégio de
poder pontificar as próprias opiniões, quer ter alguém para quem voltar.
Não esqueço nunca daquele filme, Mulan, e quero crer que muitos de meus
leitores (embora ironicamente meus leitores não sejam muitos, o que torna todo
o parágrafo uma grande incongruência fictícia), em que os soldados cantam
aquela música, cujo refrão é exatamente a última frase do parágrafo. “Queremos
ter...alguém pra quem voltar.”
***
Acho um erro crasso dizer que os
homens românticos estão em falta nos dias de hoje. Homens românticos sempre
estiveram em falta, uma vez que não é da natureza do homem ser romântico. E
aqueles que o são, geralmente não se dão muito bem com isso. Fico especialmente
intrigado com o fato de que, no seminário, a maioria dos homens são
extremamente românticos. O que é requisito fundamental se você está, afinal de
contas, no caminho para se entregar de corpo e alma para um ser supremo que
você nunca viu.
Fala-se dos autores românticos da segunda
geração como homens frustrados, como pobres coitados. Isto também não é
verdade, não devido ao fato de o romantismo deles basear-se em amores
idealizados, pelo menos. Às vezes, sim, tudo bem, mas muito mais devido ao
estilo de vida verdadeiramente suicida que levavam. Creio que, nesse ponto, o
parnasianismo veio bem a calhar. Alguém precisava pôr um fim naquele destempero
todo.
Pode-se dizer que eu mesmo tenho
muito de um típico parnasiano, uma vez que estou sempre buscando inspiração na
simplicidade e nos valores do passado. A diferença é que os parnasianos, recém
saídos da idade media, refugiavam-se no período clássico, e eu, mergulhado até
o pescoço na idade contemporânea, regrido à Idade Média em busca do meu código
de conduta e filosofia. Digamos que eu seria um parnasiano por equiparação, e
isso já se utilizando de muita licença poética.
O que eu não gosto é de romantismo forçado, de coisas que não nascem do coração. O amor não se limita por gestos, não se demonstra por meio de protocolos. Cada um o demonstra como lhe é possível, e a simples possibilidade do amor deveria ser celebrada como um milagre público. O amor deve ser natural como tudo o mais, e ao mesmo tempo, extraordinário como só ele.
O amor verdadeiro é o amor do servo. O amor que se doa, que se anula pelo outro. Isso é que é amor. O resto é interesse. Não abro mão de meus conceitos idealizados e puritanos com relação ao amor. O amor não é apenas um sentimento, é uma ideologia, é um ente à parte. O amor em si mesmo é algo pelo qual vale a pena morrer, porque, como diz a música, "de que vale o paraíso sem o amor?"
Muito me inspiro nos cavaleiros,
ou na imagem romântica dos cavaleiros. A verdade é que, afora personagens como
El Cid, a maioria dos cavaleiros era muitas coisas, menos romântica e
incorruptível. O sangue europeu é um sangue belicoso por natureza, como o é dos
seres humanos em geral, e a guerra pode ser muitas coisas, mas ela com certeza
não pode ser moral. Partindo do princípio de que os cavaleiros lutavam sem
parar a serviço de vários nobres e reis, e que a cidade que você defendia hoje
poderia ser sua inimiga amanhã, uma moral ao menos ambígua era um resultado
natural de sobreviver a sucessivas batalhas. A frase “herói bom é herói morto”
pode muito bem ter nascido daí. Se não nasceu é realmente uma pena, porque se
encaixa perfeitamente.
Morrer por amor. Se eu faria isso? Não posso garantir que sim, mas é um velho sonho. Coisas de pessoas românticas e abnegadas. Absolutamente não recomendo. Eu morreria pelo ser amado, ele viveria para ficar de luto por mim por um tempo, e depois encontraria outra pessoa. Mas é claro que estou falando isso apenas para dar vasão à minha veia catastrofista. Quando se ama, isso é a última coisa que passa na sua cabeça.
As pessoas se preocupam demais
com o fim do mundo. Deveriam era se preocupar com o fim do amor. Isso, sim, é
um problema que me tira o sono. Não vale a pena viver sem amor. Todos sabem
disso. Você pode se cercar de dinheiro, pode se cercar de distrações, mas todo
esse esforço não passa de um grande empreendimento para que você consiga, na
sua cabeça, evitar de ter que encarar por si mesmo o tamanho e a magnitude de
sua própria miséria.
O outro, às vezes, torna-se
absolutamente necessário, pelo simples fato de que ele me dá uma chance de
escapar de mim mesmo. Às vezes, não queremos nada não ser esquecer um pouco os
nossos próprios problemas, mesmo que o preço seja pensar no problema dos
outros. Não é difícil encontrar pessoas que levam a vida resolvendo a vida dos
outros enquanto a sua própria existência permanece inexoravelmente insolúvel.
Quem acompanhou a carreira do
Doutor Hunter Doherty Patch Adams, ou pelo menos, como é o meu triste caso, viu
o filme (não, assumir a sua mediocridade cultural não te torna menos medíocre,
mas em geral os leitores apreciam a sinceridade alheia, ainda que eles mesmos
não sejam lá muito sinceros. Claro que isso não inclui vocês, meus leitores. No
que me diz respeito, enquanto vocês continuarem visitando meu blog, são as
melhores pessoas do mundo, e sempre vou incluí-los nas minhas orações. A menos,
é claro, que eu esqueça), lembra-se que uma das críticas infundadas que se
fazia ao trabalho do grande médico era que tudo aquilo na verdade não passava
dos anseios de uma alma inadequada de distrair a mente da sua própria loucura.
O ideal do cavaleiro, o ideal do
servo, é exatamente esse. Anular-se, esquecer de si mesmo, em prol do outro.
João Batista falava a respeito de Jesus: “é preciso que ele cresça, e que eu
diminua.”
Nenhum ser humano é uma ilha.
Ninguém se vale sozinho. Se o homem se valesse sozinho, jamais teríamos nos
juntado e constituído sociedade. Nem mesmo o argumento do sexo seria
suficiente. O reino animal está repleto de seres que se unem apenas para a cópula
e depois nunca mais. A despeito de muitas pessoas fazerem mais ou menos a mesma
coisa, vocês entenderam o que eu quis dizer. Uma das piores coisas que você
pode fazer com alguém é deixá-lo sozinho consigo mesmo por muito tempo. Depois
de um tempo, é verdadeiramente insuportável.
O outro nos salva, e nos salva de
nós mesmos. Nos salva da nossa miséria, da nossa incompletude, enfim, nos
embriaga consigo. O outro é viciante, necessário, sagrado. E quando adicionamos
amor à equação, tudo fica perfeito.
Vejo muitas pessoas procurando
mil fatores no outro, para “dar um chance”. Fulano tem que ser bonito, cicrana
tem que gostar de tal estilo musical. Tanta discussão fútil, e esquecem do
essencial. Tantas exigências, como se alguém afinal de contas fosse grandes
coisas nessa vida. Tira o carro e a grana do perfeitinho, e quero ver se ele
não é só mais um miserável andando sem rumo nas estradas da vida. Luis Fernando
Veríssimo afirma, e eu concordo com ele, que todo ser humano pode, por mais
rico e cheio de adereços e acessórios que possua, ser facilmente reduzido ao
seu “idiota essencial”, basta você colocar ele na frente de uma arma, ou atrás
de uma mulher.
Em última análise, muitas vezes
vamos ao outro porque o outro nos permite ver a nós mesmos, não como os babacas
que sabemos que somos, mas como alguma outra coisa. Afinal, se aquela pessoa
maravilhosa foi capaz de gostar da gente, talvez a gente não seja tão ruim
assim. O encontro com o outro é encontrar com um outro eu, um eu que vale a
pena olhar no espelho todos os dias e, para variar, se sentir bem por estar
vivo.
O amor realmente é fundamental
para a humanidade. Se não existisse o amor, nós nem existiríamos, para início
de conversa, pelo menos se você é cristão. Se você é ateu, bom...nós
existiríamos, mas sem amor e sem possibilidade de vida eterna ao mesmo tempo,
vocês hão de convir comigo que muito antes de a gente nascer nossos ancestrais iriam
simplesmente concluir que simplesmente não valia a pena estar vivo e teriam se
matado há muito tempo.
Ou seja, sem amor até mesmo este
texto não existiria. Com tudo o que isso implica.
Moral da história: larguem de frescura e comecem a se amar.
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