"Mas a vontade aqui foi antes uma ideia, uma ideia sem língua, que se deixou ficar quieta e muda"...
(Dom Casmurro, trecho selecionado do capítulo XXXV)
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Quero teus olhos. Quero senti-los cativos, fixos em mim, como se eu fosse algo imanente a ti, como se fosses uma planta e eu fosse o Sol que te alimenta. Quero-os cúmplices, quero-os súplices. Quero olhos machadianos.
Consome-me querer-te. Desejar-te cansa-me, exaure-me. Não me satisfaço, não aplaco minha sede, não engano meu estômago, nem meu cérebro, nem meu coração, nem parte alguma de meu corpo. A verdade de precisar-te inunda-me o ser, vaza por inúmeras frestas, infiltra-se em minha estrutura e ameaça levar-me à ruína precocemente.
Insatisfeito, sempre querendo mais, teço conjecturas de vontade. Pego a linha da fantasia e a prendo à agulha da imaginação. Deixo o coração costurar todo um guarda-roupa de sonhos retalhados, todo um jogo de cozinha repleto de bordados.
Dia após dia, elaboro novas formas de ansioso, fazer-te o objeto da minha vontade. Sempre renovado, encontro forças para levar adiante esse esforço explosivo e inconsequente, esse cão voraz e feroz, essa volição gritante, profunda, abissal, de consumir-te e esgotar-te como o seringueiro obscuro que paciente mas de modo inexorável extrai da árvore o precioso látex sobre o qual giram os eixos do mundo.
Ao mesmo tempo, com que ternura quero cuidar-te, acolher-te, sorver-te, como o artista delicado que vai sem pressa e com cuidado paternal aparando as arestas da escultura, que vai criando sentimentos no vazio de uma folha de papel, que vai copiando tuas formas atraentes no ir e vir de um pincel, vai cantando tantos dotes, vai fazendo-te um cordel.
Ao mesmo tempo, todo o tempo és minha arte, minha música, e faz parte...me reparte, em tantos "eus", são todos teus, e se tu és minha, te prometo: nunca mais estás sozinha!
Com que loucura sinto o cheiro do tempero que me desperta o apetite e o prazer que é te ter, que gostoso, tão gostoso que a gente repete, pede bis. E agradece.
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Ouça, amor, as promessas que lhe faço
Atente-se às palavras que lhe digo.
Busque conforto no calor dos meus abraços,
E nos meus braços encontre seu abrigo.
Jure amar-me pela vida eterna
Sonhe com o meu amor em cada momento.
Pois é nesse peito e coração que se encerra,
O mais bonito de todos os sentimentos.
E depois de tudo isso,
Principie um amor sem regras, sem juízo
E eu de bom grado, minha amada, receberei.
E com esse amor de tamanha beleza,
Amor meu, tenha certeza,
Que você a vida inteira eu amarei.
(Fernando Rangel)
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Se não vens, não escrevo, não me animo. Raciocino, sou menino. Mas, se tu vens, e eu estou morno...vou ao forno, e ardo em chamas, se tu me amas, queimo as pestanas pensando em formas de te agradar.
Me afogo no teu ser como se afundasse no mar. Romanceiro, veraneio, em sonhos de marinheiro. Vou sonhando, contornando esse Cabo das Tormentas, que fomentas em meu peito uma tão grande alegria, e uma tão grande tristeza, soa tão contraditório quanto és farta de beleza.
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"É isto, vamos, é isto...Ideia só! Ideia sem pernas! As outras pernas não queriam correr nem andar".
"Era ocasião de pegá-la, de puxá-la e beijá-la...Ideia só! Ideia sem braços!Os meus ficaram caídos e mortos".
(Dom Casmurro, trechos selecionados do capítulo XXXVI)
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Raiva e tristeza, disto é farta minha mesa, farta de tudo isso, cansada dessas coisas. Grande por demais burrice, encantar-me a tua meiguice.
Tu és minha personagem, enterrada em maquiagem. E pensava uma paisagem...era só uma miragem!
Tudo não passou de história, uma grande encenação. Entretenimento, mas de qual categoria? Terá sido uma comédia, e outros riam às nossas custas? Terá sido uma tragédia, ou um drama, de uma tão elaborada trama. Mas que diferença faz, se você, não, não me ama?
Mas que grande badernagem, você não acha? Que desperdício, que suplício. Jogamo-nos no precipício? Claro que não, pois tu não sofres, em verdade, apenas eu, casualidade. Vede como tudo é fácil.
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"As palavras só palavras são. Nunca ouvi dizer de um triste coração que pelo ouvido viesse a ser curado".
(Otelo, primeiro ato, cena III)
"Quem furta a minha bolsa me desfalca de um pouco de dinheiro. (...) Assim como era meu, passa a ser de outro, após ter sido de mil outros. Mas o que me subtrai o meu bom nome defrauda-me de um bem que a ele não enriquece e a mim me torna completamente pobre".
(Otelo, terceiro ato, cena III)
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Caminha comigo, nesta hora. Vamos encerrar logo isso, meu amor. Chega de meios termos, chega de meios "sermos". Ou inteiros ou nada!
Não sabes o que dizer? Permita-me, donzela indecisa, tão cheia de palavras e tão convenientemente muda nesse momento. Deixa-me falar por ti, por mim, por nós.
Diga que nossos mundos são diferentes. Diga que o que temos em comum perde importância perde importância diante de nossas diferenças. Diga que não preencho vossas justas preferências.
Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Só quero ver-me livre, liberto desse veneno.
Se quiseres ser cruel, podes ser, não tem problema. Nenhuma crueldade pode ser pior do que a da mentira, do silêncio, da covardia. Diga simplesmente "não", não carece de poesia para essas coisas. Mas diga logo de uma vez, é apenas uma palavra.
Se quiser, faço um roteiro. Leio ele, por inteiro, na sua frente, e você só balança a cabeça e concorda. Mas acorda, pois é tarde, muito tarde, e "ai, ai, ai, ai...tá chegando a hora...o dia já vem...raiando, meu bem...eu tenho que ir embora"...
Se quiser, pode omitir o que quiser da história. Pode dizer que fui ruim, que não fui gentil. Pode dizer que não fui viril. Que quis tentar, que provou...e não serviu. Diga que me quer lá na p*** que pariu.
Apenas diz-me a verdade, e nada mais importa. Saio pela porta, e é passado, letra morta.
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"A loira, bela, clara e sutil, usa o espírito e o apura em saber como usar a formosura. Se é morena, mas de espírito não manca, há de saber fazer com que a achem muito branca. Bela e tola, não há. Se é bela, acha um parceiro que logo a ajudará a achar um herdeiro. Feia e tola que seja, inda assim é capaz de fazer o que a mais bonita e esperta faz".
(Otelo, segundo ato, cena I)
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E assim, sem nada mais haver, dou por encerrada essa aventura de meu ser. Nada mais foi dito, muito menos perguntado. Desta forma, sem demora, declaro que o caso está encerrado.
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