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domingo, 27 de outubro de 2013

A um amigo de partida para o seminário - ou A hora do aDeus

Observação preliminar: as músicas deste post não tem relação direta com o texto. São músicas escolhidas pelo autor porque ao longo dos anos foram temas recorrentes de uma bela amizade, tão bela que é emocionante apenas citá-la. Inseridas nos locais certos, contudo, poderão ter uma relação muito pertinente, para os que forem capazes de entender.



***

"As aves do céu tem os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça".

Jesus Cristo.

***

Chegou a hora da partida. A hora da definição, quando as máscaras caem e os pensamentos dos corações são revelados. Chegou a hora de desvendar os mistérios e pôr à prova a dureza da rocha que é o coração do homem sereno, que caminha impassível e solene em meio ás perturbações infernais.

Chegou a hora do choro, chegou a hora da saudade
Chegou a hora [que demora!] da indiferença, na verdade...

Chegou a hora de enxergar, perceber, não mais negar
Chegou a hora de distinguir a dura terra do grande mar
Chegou a hora em que tudo o mais é mera vaidade
Chegou a hora de se despojar da mocidade...

Chegou chegou a hora, incautos companheiros!
Chegou, celebremos enquanto ainda estamos inteiros!
Cinza e pó, cinza e pó, é o homem em seu orgulho, em seu orgulho bestial
Bate o vento, vem a chuva, e vai-se o homem, tão efêmero e mortal

Aos instrumentos, homens de bem!Cantemos ontem, hoje e sempre o nosso amém!

Cantemos à vida que passa, passamos nós, também!
Cantemos à jornada rumo ao escuro, rumo ao além!
Cantemos enquanto podemos, cantemos junto de alguém!

"Eis que venho", diz o Senhor, e a Esposa clama: "Vem"!




***

No salão, as pessoas dançam com os olhos, dançam em espírito. Seus corpos imóveis e graves, o ar sereno e silencioso, apenas o som da melodia que se perde na imensidão do salão espiritual. As almas em paz, as almas em plena comunhão. A celebração máxima da unidade.

-A Paz do Senhor esteja convosco!
-O amor de Cristo nos uniu!

Sim, o Amor de Cristo nos uniu!Desde o início, ó meu grande amigo!Desde o início tu foste para mim um presente entregue pelas dadivosas mãos do Senhor!Louvado seja Deus pela amizade, louvado seja o Altíssimo, que paira acima de nossas digressões ignorantes, que em Sua infinita e augusta Misericórdia nos brindou com o vinho dos amigos!



***

Tu, amigo fiel!Tu, um entre mil!Entre dois mil!Único no mundo, jóia da cristandade, poço de virtudes, voz grave que dissipa os ruídos infernais!Tu, meu verdadeiro e querido companheiro de jornada!Tu, por quem as lágrimas são derramadas e os sorrisos vem ao rosto outrora abatido!

Tu, dádiva das Mãos que curam, tu, braço forte a mão amiga, tu, de tantos nomes e tantos vocativos, todos resumidos numa única palavra dita com toda a sinceridade, vinda da cripta mais profunda do coração do homem tímido:AMIGO!



***

O jovem pássaro, em seu ninho nas montanhas. Apenas um filhote, espia abaixo o abismo. A queda incomensurável, vidas inteiras, a eternidade para morrer antes mesmo de chegar ao chão. De susto, de tristeza. Morrer. Perder a vida, assim, sem mais nem menos. Morrer. Morrer. Palavra inevitável, fato inescapável. O relógio conta o tempo. Mas é a morte quem observa o escoar das horas.

"Se o grão de trigo não morre, permanece apenas um grão de trigo. Mas, se morre, produz muito fruto."

Jesus Cristo.



***

Cristianismo. Religião maluca e amada, absurda e desejada. A chave da vida está na morte. A chave da glória está na cruz. Os primeiros são os últimos, e os últimos são os primeiros.

"Aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la. Mas aquele que perder a sua vida por causa de Mim, esse a encontrará."

Jesus Cristo.

***

Que sentido quereis dar à vossa morte?Uma morte em vão, envergonhado e esquecido?Uma morte inútil, uma morte vazia de sentido?Onde está a tua espada, guerreiro?Onde está o escudo, onde está o brasão da tua casa?Onde está a tua honra, onde está o orgulho dos teus ancestrais?



Onde estão tuas feridas, onde está o sangue, onde estão as marcas do sacrifício?Onde está o home forte e altivo, onde está o nobre guerreiro, onde se escondeu o defensor das viúvas e dos pobres, protetor das crianças, Paladino da Justiça?

Onde estão os homens de luto, onde estão os sentinelas insones, vigiando na noite onde as trevas se levantam para devorar os indefesos?Onde estão os curadores das almas, onde foram parar os estandartes da liberdade e da paz?Por que se entristecem as vossas almas, ó, vós que estais a marchar contra as hordas do maligno?



Avante, guerreiros de preto!Avante, médicos das almas!Avante, arautos do Cordeiro, avante, com as bandeiras da esperança, avante, avante! Não haja nenhum covarde!O descanso virá em seu devido tempo, mas agora é tempo de trabalho!Tempo de joelhos no chão e clamores em meio às lágrimas!Tempo de sofrimentos aviltantes e consolações magníficas!Tempos de penumbra, mas eis que vem a Luz!Eis que vem, vem e não demora!Resistir, resistir até o último homem!Pelo Senhor e pela Senhora!Pelos Três que são Um com tudo e com todos!



***

Amigo, chegou o tempo. Chegou o momento previsto desde toda a eternidade. Chegou o tempo de fazer frente nas grandes batalhas pelas almas dos homens. A hora de tomar a frente do Exército que marcha de Roma, que marcha da Sede da Esposa do Cordeiro, da pérola dos Apóstolos, Cidade Eterna Coluna da Verdade, Igreja Santa, Fortaleza da Fé, Cidade Santa, Cetro do Filho do Homem, Jóia da Coroa do Rei do Universo, sim, chegou o tempo, o tempo de não se render ao mal, mas de vencer o mal com o bem!

Ó, amigo!As lágrimas já vem aos olhos!Vem com a consciência, com a tomada de posse do amor, de um amor tão grande tão puro que sinto por ti, sorriso certo, conversa fácil!Tu, que tantas vezes me proporcionaste momentos de felicidade que serão recordados com gratidão para todo o sempre!



Agora, por um tempo, tu és retirado de nosso convívio. Agora, por um tempo, não mais te verei, como por um tempo os apóstolos não viram o Cristo. Mais um tempo, porém, e o verei novamente. Mais um tempo, porém, e te verei como tu és. Sem máscaras, sem a corrupção do pecado e da morte. Te verei como tu és, te verei como o Criador te desejou e te pensou desde antes do primeiro segundo na história do universo.



Mais um pouco e te verei na Eternidade, onde o riso dura para sempre, onde a felicidade é a própria essência da existência!Sim, e lhe verei, transparente, refletindo o Mestre dos Mestres, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores!A ele a glória pelos séculos dos séculos!A Ele o poder, a Ele a Majestade, a Ele a Magistratura e a Jurisdição suprema, a Ele o Julgamento e o Senhorio sobre todas as coisas!Salvador dos Homens, Luz das nações, Sol da Eternidade, Amor verdadeiro e infinito que não decepciona...eu só queria dizer MUITO OBRIGADO!

***

Amigo. Todas as palavras do mundo não poderiam abarcar este momento. E eu não poderia estar ao mesmo tempo mais feliz e mais triste. Como me dói separar-me de ti, que por tantos anos foi um dos meus melhores amigos!

Quando penso em tudo que passamos juntos, explode a gratidão e eu desejaria poder lhe fazer todo o bem do mundo. Melhor que eu, e mais bondoso e excelente, e amoroso, é o Senhor do Universo, Aquele por quem existem todas as coisas. Se Ele assim quis, seja feita Sua soberana vontade!Vá, meu rapaz!Vá viver essa grande aventura, a maior de todas!



***

Vou cantar Teu amor
Ser no mundo um farol
Eis-me aqui, Senhor
Vem abrir as janelas do meu coração

E então falarei imitando tua voz
Creio em Ti, Senhor
Nas pegadas deixadas por Ti
Vou andar

 Vou falar do Teu coração
Com ternura nas mãos e na voz
Proclamar que a vida é bem mais
Do que aquilo que o mundo ensina

E cantar...

Cantar um canto ensinado por Deus
Com poesia ensinar nossa fé
Plantar o chão, cultivar o amor
Como poetas que querem sonhar

Pra realizar o que o mestre ensinou
Viemos cear, restaurar o coração
Fonte de vida no altar a brotar
A nos alimentar

Celebrar meu viver
Pra no mundo ser mais
Faz de mim, Senhor,
Aprendiz da verdade, justiça e da paz

Comungar Teu viver
Neste Vinho, neste Pão
Quero ser, Senhor
Novo homem nascido do Teu coração


***

"
Ao discípulo basta ser como o seu Senhor."

Jesus Cristo.


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sobre as ideologias - uma temática já recorrente

Observação preliminar: nunca me considerei mau escritor. Contudo, admito publicamente duas deficiências enormes nos meus textos. A primeira são os títulos, e a segunda é a introdução. Este post deixará isso muito claro.

***

O romance. O romance é uma coisa muito boa. Nunca disse que não era, mesmo quando traz dor. Se não é bom pelos resultados, ao menos é bom pelo meio, pelo meio como se desenvolve, por estar meio apaixonado, meio bobo, meio vivo e meio morto de amor.

Meio, inteiro. O coração dividido e o coração unificado são dois estágios simples para começarmos a compreender como as pessoas agem e como a vida, como o caminhar pela vida podem se nos apresentar. Lembro-me do Padre Auricélio há menos de uma semana, em sua homilia, comentando que a liturgia católica é perfeita [o que já sabemos], entre outras coisas, porque imita a vida.

A liturgia católica, como a vida, é um caminhar. Entramos na igreja caminhando, sentamos, levantamos, nos ajoelhamos e saímos caminhando. A liturgia católica nos convida a exercitarmos de forma eficiente o potencial da mobilidade do corpo humano. Vemos a missa, acompanhamos os ritos sob vários pontos de vista, de cima, de baixo, em movimento...e o mesmo sucede com a vida.

Pontos de vista. Sempre enxergaremos a vida do nosso [ou pelo menos até eles nos permitem ver com os olhos dos outros, o que não demorará muito, penso eu], e no entanto mesmo ele não é algo estático, estacionário. Está sempre mudando. Há uma parcialidade dinâmica na vida, por assim dizer. Somos um ponto de vista em constante movimento, como uma máquina fotográfica que está sempre andando para lá e para cá em busca da melhor imagem, dentro das nossas possibilidades.


Convenientemente, está chovendo nessa exato momento. O que é muito bom. A chuva é uma coisa muito boa, pelo menos quando se está sentando confortavelmente em sua casa escrevendo. E por falar nisso, poucas coisas são melhores para compreender tudo o que eu disse até agora como escrever. A humanidade lucra muito com a escrita, e embora eu tenha usado a palavra "lucro", tantas vezes entendida de uma forma negativa em vista de seu cunho capitalista ou interesseiro, ela aqui é usada ao lado do adjetivo "lícito".

Há um postulado do capitalismo ideal que me chama muito a atenção, e que penso que cabe exatamente nessa situação. Para o socialista, para alguém sair comprando, alguém tem que sair perdendo. Que o diga Marx e suas teorias da mais-valia (e apesar de tudo recomendo fortemente a leitura das mesmas, porque o conhecimento sempre é válido, seja você de direita, de centro, como eu, ou de direita). Mas para o capitalismo utópico isso não é uma verdade absoluta. No capitalismo utópico ou ideal, ambos podem sair ganhando em um negócio.

A riqueza, então, não se redistribui, mas se multiplica. Não entrarei aqui no mérito sobre até que ponto capitalistas e socialistas têm razão, esse não é o objetivo deste texto Quero apenas o princípio aplicado à escrita. Na escrita, todos saem ganhando. Sai ganhando quem escreve, e sai ganhando quem lê. Alguém poderá sair ganhando mais que o outro, isso é bem verdade, mas a verdade é que ambos restaram beneficiados.

Certamente esse é o grande objetivo e o grande plano de Deus para a humanidade. Que todos sejamos capazes de multiplicar os dons que recebemos, compartilhá-los com os outros. A parábola dos talentos ilustra bem isso. Os servos receberam talentos de seu senhor, e cada um "lucrou" outros tantos talentos com ele. Isso vale em termos monetários, e vale também em termos de virtude, em termos de amor e de todas as outras coisas boas.


Temos então um Senhor que ao mesmo tempo nos manda lucrar e compartilhar. Temos um Deus que nos ordena que acendamos a luz, e ao mesmo tempo que a coloquemos em um lugar onde possa brilhar para que todos a vejam. Em termos econômicos, temos, em linhas simples, um Deus que não é nem capitalista nem socialista, mas que agrega elementos usados e defendidos por ambas as ideologias.

Basicamente, o cristianismo faz de todos nós sócios, faz de todos nós pessoas preocupadas umas com as outras, e com os melhores interesses da sociedade, porque então todos somos uma família em Cristo. E isto não é nenhum absurdo, bem como não é nenhum absurdo que todos tenham de trabalhar e ter livre iniciativa para construir, para colaborar na construção dessa sociedade, fazendo, inclusive, como bem estabelece o Evangelho, jus a um salário justo e digno, o qual, contudo, não serve apenas para nós, mas deve necessariamente beneficiar a todos de alguma forma. E este é um discurso que agrega elementos tanto da direita quanto da esquerda.

Está muito claro para mim, depois de estudar os dois pontos de vista, que nenhum deles sozinho é capaz de levar à solução dos problemas da humanidade, se é que algum dia conseguiremos realizar essa proeza. Acredito sinceramente que não.

Jesus mesmo diz que sempre teremos os pobres conosco. O que inviabiliza tanto o capitalismo quanto o socialismo, uma vez que ambos, ao menos em sua forma teórica, objetivam o fim da pobreza tanto econômica quanto social. Ambos objetivam, ou deveriam objetivar, o bem do ser humano. A diferença é que um acredita no paraíso terrestre por meio da utopia econômica, e o outro pela teoria social. Ambos, porém, se esquecem se que o paraíso já se foi Já perdemos o Éden. Não há mais paraíso terrestre a ser alcançado, e nem a ser construído. O que há é um Reino, mas um reino que "não é deste mundo."

Ao mesmo tempo, isso não quer dizer que não devemos nos preocupar apenas com as coisas espirituais e deixar as coisas temporais de lado, como sempre foi uma crítica da esquerda para com a religião. Mas também não quer dizer que tenhamos de nos tornar materialistas históricas. Dizer que algo não é azul não implica necessariamente em dizer que esse mesmo algo é vermelho, e vice-versa. Isto não é um recurso de linguagem, é uma conclusão obrigatória do ponto de vista da lógica.

Quando me debruço sobre essa temática, penso muito mais como antes de mim pensaram Chesterton e Tolkien, ou mesmo Leão XIII com a Doutrina Social da Igreja, ou tantos outros Papas, como Paulo VI e o próprio Papa Francisco agora. Como católicos [para meus leitores que são católicos], quero lembrar-lhes de que retiramos a revelação divina de qualquer lugar. Como disse certa vez Paulo VI, "o Espírito Santo fala até mesmo pela boca dos ateus."

Oras, isso quer dizer que a verdade, a vontade de Deus, os desígnios morais do Criador podem ser encontrados em qualquer lugar. Como disse certa vez Tolkien escrevendo a seu filho, "Deus não se limita por nada, nem por seus próprios fundamentos."

Evidentemente isso não quer dizer que nos tornaremos hereges. Jamais estou dizendo isso. É para isso que existe Roma, é para isso que existe o Magistério da Igreja, para que de tudo, como disse São Paulo, possamos tirar aquilo que é bom. Infelizmente muitas pessoas esquecem disso e preferem adotar uma postura legalista dura que não traduz o verdadeiro espírito evangélico. Sobre isso, felizmente, tem o Papa Francisco, na mesma linha do que dizia Bento XVI, se posicionado de forma exemplar.

Se esquecem essas pessoas que o mesmo Cristo que elas julgam defender foi o primeiro a condenar os fariseus, que com seu espírito de guardiões da lei acabavam por fechar o acesso a Deus para si mesmos e para os outros. Isso não está certo, e nem nós adotarmos essa postura está certo também. A única opção radical do cristão deve ser por Cristo e por Sua Igreja. O resto vem dos homens, é arriscado demais para merecer nossa confiança irrestrita.

É claro que, como cristãos, jamais poderemos nos aliar à esquerda, pois seus fundamentos são eminentemente ateus. Mas nada nos impede de adotar boas ideias que de lá surgem, e o mesmo ocorre com a direita. Devo lembrar que, assim como as grandes mentes idealizadoras da esquerda foram ateístas, o capitalismo também se serviu em muitos momentos do pensamento ateu e cientifista, notadamente na época vitoriana e no auge do positivismo e do estruturalismo. Quer dizer, para usarmos uma expressão popular, temos o típico caso do "sujo falando do mal lavado".


Novamente, penso ser salutar citar o distributivismo de Chesterton. Ele sempre teve consciência de que a riqueza não vale de nada se não redundar em benefícios para toda a sociedade. Isso, inclusive, é uma ideia que está no imaginário humano desde tempos imemoriáveis. Não por menos o dragão é sempre tido como um ser egoísta, ganancioso, que acumula grandes fortunas simplesmente por acumular. Não divide com ninguém, simplesmente ajunta mais e mais para si, arruinando a economia das fábulas.

Mesmo o direito empresarial, ou seja, o que regulas as empresas, as companhias, as sociedades empresariais, jóia da economia capitalista, mesmo ali a preocupação com o social se faz presente. Mesmo ali a empresa não é vista simplesmente como um local para produzir dinheiro, mas como um local que gera empregos, um local que beneficia não apenas o capitalista, mas toda a sociedade, porque cria empregos, gera dignidade para as pessoas.

Quer dizer, mesmo no coração pulsante da aplicação prática do ideal capitalista, está o elemento social, ainda que de forma teleológica. Aqueles que tentam separar uma coisa da outra demonstram que realmente vivem em um mundo de teorias, em um mundo de preto no branco. Na prática as coisas são bem diferentes.

Não podemos adotar essa linha de pensamento bipolar. Não é porque eu não sou da esquerda que eu tenho de ser da direita. Não há lógica nesse pensamento, considerando o espectro político complexo em que vivemos, notadamente nos dias contemporâneos.

Vejo que na verdade, em termos rasos, a direita tende a ser liberal em termos econômicos, e rígida em termos sociais (conservadorismo), ao passo que a esquerda tende a ser rígida em termos econômicos, e liberal em termos sociais (casamento gay, aborto, etc). Quem está com a razão?Ninguém. Ambas as ideologias afrouxam demais em um aspeto e seguram demais em outro. De fato, de certa forma a metáfora do espelho cairia como uma luva nesse raciocínio.

Falta, portanto, o equilíbrio. E onde falta o equilíbrio, falta a justiça. Esquerda e direita erram juntas, e morrem abraçadas, porque ambas pecam, ambas querem combater o mal com o mal, quando São Paulo diz claramente para não nos deixarmos vencer pelo mal, mas vencer o mal com o bem.

Foi a falta de equilíbrio das antigas ordens que fez com que caíssem. Foram os abusos cometidos pelas monarquias absolutistas, que violaram os contratos das sociedades feudais, que causaram as revoltas que as derrubaram. A Monarquia francesa, que com Luiz XIV havia atingido um grau de respeito quase devocional por parte do povo francês, caiu logo mais com Luiz XVI, e porquê?Por causa de abusos por parte de um rei ruim.

A Igreja Católica, minha Santa, Amada Igreja Católica. Onde foi que a mesma perdeu prestígio?Foi por meio de padres ruins, de bispos ruins, de Papas ruins. E isso em nada muda o fato de que ela continua a ser a morada de Deus entre os homens, mas os homens profanaram e muito a casa de Deus. O que estou tentando dizer, e isso é uma critica aos direitistas e aos conservadores, é que Marx jamais teria tido chance, Lênin jamais teria tido chance, se os prepostos do Rei, se os prepostos de Deus estivessem fazendo o que deveriam fazer.



A oposição só cresce quando a situação falha. E, em termos históricos, pragmaticamente, os aplicadores da direita, os aplicadores do antigo regime falharam. É bem verdade que o que sucedeu ao velho mundo é igualmente frustrante e igualmente falho, porque o homem é falho, pecador, imperfeito. Mas ainsa assim, antes de criticar com tanta veemência o outro lado, tanto esquerda quanto direita deveriam encarar demoradamente a si mesmos. Mas voltemos à discussão sobre o divino e deixemos de lado os homens e suas falhas.

Nesse sentido, gosto muito da imagem de Deus como  LOGOS, como o sentido das coisas. Tomemos Cristo, que não é nem um ser totalmente espiritual, nem totalmente humano, mas em sua natureza é perfeitamente humano e perfeitamente divino, tudo ao mesmo tempo. Já pensou se aplicamos a natureza de Cristo aos nossos negócios na cidade terrestre?Então de fato ela seria uma imagem da cidade celeste.

Novamente, tomemos e exemplo das Sagradas Escrituras, que dizem que o homem justo é aquele que trilha os retos caminhos do Senhor, não se desviando nem para a esquerda nem para a direita. Entendamos a passagens nos moldes ideológicos que estamos a discutir. Entendamos em seu sentido econômico e social [sem jamais sermos reducionistas e ignorarmos seu sentido espiritual, é bom que se diga], e vejamos como então as coisas começam a fazer sentido!Como as coisas devem ser equilibradas, ou, em termos ideológicos novamente, como as coisas devem ser centralizadas.

Assim como eu não concordo com o Estado máximo, também não concordo com o Estado mínimo. Assim como concordo com a propriedade privada, não concordo com o latifúndio. Assim como discordo da regulação de preços pelo governo, também não concordo com o cartel. E assim sucessivamente, eu poderia passar vários minutos dando exemplos, mas não seria prático. O que precisa ficar claro é o princípio. O princípio do bom senso.

Mister se faz novamente a citação das Sagradas Escrituras (se os homens lessem mais a bíblia e a aplicassem mais em suas vidas, então o mundo seria um lugar deveras melhor), quando nos diz que HÁ UM TEMPO PARA TUDO. Há um momento para aplicação desta medida, e há um tempo para a aplicação daquela medida. De uma forma que jamais pode ocorrer o monopólio, mas também nunca deve ocorrer a concorrência sem limites.

Por exemplo, a questão do salário mínimo. Muitos ultra-direitistas dizem que não deveria existir. E eu digo que da mesma forma pensavam os liberais ingleses da época da revolução industrial, que empregavam mulheres, crianças e idosos, os faziam trabalhar 18 horas por dias e lhes pagavam apenas o bastante para comerem e olhe lá. O salário mínimo não surgiu como uma imposição ideológica da esquerda, mas como uma necessidade humana, como uma questão de sobrevivência.


Hoje se fala que deveríamos deixar o mercado ser governado pela "mão invisível", que é um apelo da ética protestante capitalista ao divino. Não precisamos de leis econômicas, Deus cuidará de tudo, o mercado de autorregulará. Bom, o mercado já foi assim no passado e podemos encontrar relatos de muitas pessoas que não saíram exatamente beneficiadas com esse modelo de pensamento.

Não por menos, surgiu o Direito do Trabalho. Não por menos surgiram, por exemplo, as normas de segurança do trabalho. Antigamente não havia nada disso, e então os trabalhadores iriam depender de quem?Da virtude do patrão?Se ainda hoje, com tantas leis e regulamentos - e louvado seja Deus por isso! - tantos trabalhadores morrem e se acidentam, imaginemos como deveria ser naquele tempo...

Concomitantemente, os mesmo direitistas que falam que o capitalismo trouxe a glória monetária, a multiplicação da riqueza e tantas outras benesses onde foi implantado, parecem ficar ligeiramente cegos ou leigos quando se trata de explicar o confisco das terras dos camponeses na Inglaterra e a ida forçada de trabalhadores para as fábricas. Pouco se fala das florestas devastadas para alimentar as fornalhas, pouco se fala das casa destruídas para dar lugar a fábricas. Pouco se fala dos homens substituídos e descartados pelas máquinas. Em nome do lucro e do "progresso", o homem foi jogado fora. 



Em qualquer lugar, em qualquer área da vida onde não houver  a figura da Lei para barrar o arbítrio humano, haverá a injustiça, a desigualdade, a opressão. Pensar o contrário é acreditar no homem. E o homem, é bem sabido, não é digno de fé, não é digno de confiança. A essas pessoas, eu recomendaria a leitura de outro protestante, esse um pouco mais coerente: Hobbes. 

E da mesma forma o comunismo, com seu ateísmo militante, com sua despersonalização da pessoa humana, com seu super Estado e todas aquelas outras desgraças. Quanta morte, quanta dor, quanta miséria. O capitalismo e o comunismo, no fim dos tempos, descerão de mãos dadas até o fundo do inferno.

Outro dia desses, conversando com um amigo protestante a respeito do pecado, ele lembrou-me o que eu já havia esquecido. Pecado é errar o alvo. Mirar o bem, todos miramos. Mas, se erramos, pecamos. Erramos o alvo e praticamos o mal. Nesse sentido, comunismo e capitalismo são ambos, para mim, pecados abomináveis.


Se quiserem uma abordagem mais filosófico, mais transcendente, porque reconheço que, contra a vontade, estou deveras materialista nesse texto, mudemos o nome do princípio. Retomemos tudo o que eu disse antes e chamemos isso de "princípio da holisticidade, ou princípio da plenitude". Ora, catolicismo é exatamente isso, é universalidade, é plenitude. Plenitude da fé, plenitude da Lei de do Amor de Deus. Nada precisa ser excluído, mas tudo pode ser adaptado e submetido ao Evangelho do Salvador.

Isso é próprio do catolicismo, imperar sobre tudo, conquistar todas as formas de pensamentos e ordená-las na direção de Cristo. Muitos falam que a Igreja simplesmente copiou as ideias pagãs, ou as mostrou sob um outro prisma. Não concordo com isso. A Igreja, muito mais do que simplesmente copiar, verdadeiramente transmutou, metamorfoseou as ideias do mundo pagão, de todas as épocas, e dali retirou as verdades que possuíam, segundo os princípios evangélicos. E isto é algo que sempre me fascinou, porque como católicos, volto a dizer, com a medida de bom senso e sempre respeitando os princípios da fé, podemos desfrutar TUDO.

Certamente essa foi uma das grandes razões pelas quais continuei a ser católico mesmo em meus períodos passados de incerteza, e certamente essa é uma das razões pelas quais continuo sendo de forma cada vez mais animada e convicta um católico até hoje. 

Da mesma forma como não concordo com SOLA DIREITA ou SOLA ESQUERDA, nunca concordei com SOLA ESCRIPTURA, SOLA GRATIA, ou tantos outros solas que podemos citar. Essa concepção reducionista de Deus, como se o mesmo pudesse ser engarrafado, a mim parece que não cabe, embora eu não esteja com paciência para desenvolver melhor essa temática agora, nem esse seja o objetivo do texto.


Foi o catolicismo que permitiu que Santo Agostinho bebesse da fonte de Platão nos primórdios da Igreja. E foi o mesmo catolicismo que permitiu a Santo Tomás de Aquino, cerca de mil anos depois, beber de Aristóteles, cuja linha de pensamento é radicalmente distinta. Todas as correntes de pensamentos, todos os ideais, todos os sistemas, todas as diferenças entre eles, tudo isso perde importância, tudo isso é mitigado diante do império glorioso de Jesus Cristo, que tudo atrai para Si, aparando as arestas, corrigindo os excessos e completando as lacunas, eliminando as heresias e fazendo com que todos os homens, cada qual com seu pedaço da verdade, caminhem juntos rumo à VERDADE DE VERDADE, por assim dizer.

SANTO AGOSTINHO DE HIPONA

SANTO TOMÁS DE AQUINO
Acabo de me recordar de mais uma passagem dos Evangelhos, que penso que serve perfeitamente como encerramento a esta ideia que estou a expor. A parábola em que Jesus Cristo nos fala do pai que retira do seu baú coisas novas e velhas. Coisas novas e velhas. Vejam a continuidade, a tradição implícita nessa passagem. Vejam a noção de liberalidade, e ao mesmo tempo de fidelidade aos princípios que essa frase tão simples encerra.

Aqui a diferença entre tradição e tradicionalismo fica evidente, bem como a diferença entre fundamento e fundamentalismo, e  este jogo de palavras poderia igualmente se estender por vários minutos, mas novamente julgo que já me fiz entender.

E aqui lanço minha crítica final. Muitos católicos ainda não compreenderam isso. Que mesmo as heresias tem fundo de verdade. É por isso que diferenciamos entre heresia a apostasia. A apostasia, sim, erra perdeu totalmente o rumo. Mas a heresia, não. A heresia pode ser corrigida, a heresia pode ser ordenada. Em termos jurídicos, a apostasia seria uma nulidade absoluta, e a heresia seria uma nulidade relativa.

Nas comunidades eclesiais evangélicas (e meus leitores evangélicos me perdoem agora, mas como católico este é o ensinamento em que acredito), há a heresia, sim. Mas ela não impede que Deus se manifeste. Deus está lá, Cristo está lá. Não de forma plena, não completa, como na Igreja Católica. Mas está lá. Não se trata então de fazer guerra, não se trata então de eliminar, mas de ordenar, de dialogar, de corrigir. O católico deveria sempre ambicionar essa evolução plena enquanto ser humano, esse alcançar das luzes da sabedoria liberal, porém ordenada por princípios sólidos, Chesterton vai dizer algo nesse sentido, e eu aqui colocarei o que penso, mais ou menos baseado no citado Autor. O católico deve ser alguém extremamente liberal, contudo jamais deve renegar os princípios da fé.

E isto, eu bem sei, é uma aparente contradição, que honestamente não sei resolver em palavras, no momento. Mas na prática sei que não é, porque é assim que eu sou, e honestamente penso que dá certo. Oras, Cristo foi esse liberal rígido de forma excelente, de forma que se vocês não me entenderam, procurem olhar para Cristo, e então entenderão. Ele, a plenitude da Lei, muitas vezes burlou essa própria Lei, em nome da verdadeira Justiça e do Verdadeiro Amor. E que fique bem claro que não estou dizendo para que se faça o mesmo com a leis da Igreja!Estou dizendo apenas para aplicar na prática a lucidez do Messias.


Precisamos deixar de ver em Cristo uma figura de imposição. Cristo não é imposição, assim como o próprio Deus não é imposição Não somos marionetes de Deus, e nem o precisamos ser de ideologia alguma. Em Cristo, Deus se revela antes de mais nada como um professor, como um ser que ensina, que convence. Deus me convenceu de que está certo, Jesus me mostrou por "A + B" as suas razões, e fui seduzido intelectualmente por sua proposta. Eis aí uma grande lição de Cristo, mas seus seguidores ainda estão muito longe de aprender a praticá-la.

Acima de tudo, encerro postulando que no fim das contas o que falta mesmo é capacidade de diálogo. Falta alteridade, falta compreensão. Isso muito me entristece. O católico deveria ser a elite da humanidade, mas não em um sentido exclusivo, não em sentido de privilégio, mas sim em um sentido de dom, em um sentido inclusivo. Deveria ser o oposto do fariseu, deveria ser como Cristo no poço junto da samaritana, que em momento algum impôs pesados grilhões àquela mulher, mas a converteu por meio de uma argumentação exemplar.

Ou seja, Cristo sempre soube, e como seria feliz se nós soubéssemos disso também, que muito mais eficiente que a espada de aço é a espada de carne que é a língua. Durante muito tempo, os cristãos tentaram se impor de forma rígida, tentaram evangelizar através da espada. Mas a espada não evangeliza ninguém.

O Messias guerreiro esperado pelos judeus foi substituído por um Messias do diálogo, um Messias cujas palavras são verdade e vida. "Quem vive pela espada, pela espada morrerá", diz o mesmo a São Pedro, que queria a vitória do Mestre da mesma forma como muitos queriam e até hoje querem. Contudo, Cristo não é um ditador, mas um conciliador.

Aqui outra lembrança. Recentemente conversava com Padre Edson a respeito do que ele pensava sobre Papa Francisco. Ele me disse que Francisco veio reconciliar a Igreja. Eu perguntei com quem, e ele me respondeu:"Com ela mesma". Isto é deveras verdadeiro.


Para compreender essas palavras, contudo, é preciso sabedoria e bom senso. Acima de tudo, é preciso mais Cristo e menos ideologia. É preciso se preocupar menos com o capital e menos com o social, e mais com o ser humano, muitas vezes esquecido em meio a esses embates inúteis.

Todas essas coisas, contudo, ainda estão longe de abundar entre muitos dos que se dizem católicos. Muitos, cegos, e digo isto com todas as letras, ainda não se deram conta de que a Igreja hoje, muito mais do que cavaleiros, precisa de CAVALHEIROS da fé.

Mais do que capitalistas ou comunistas, o que o mundo precisa mesmo é de mais cristãos. Cristãos de verdade.





sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A volta do anzol - considerações esparsar sobre Justiça, vingança, direito e Amor




Vaias. A rejeição da massa humana a determinado comportamento. Resultado de muitos fatores, ambos extremos. Uma extrema compreensão ou uma extrema incompreensão. Os aplausos podem ser protocolares, artificiais. Aplaudimos discursos maçantes em eventos aos quais comparecemos unicamente por convenção social ou vontade de nos aproveitarmos dos coquetéis.

Convenção, Lei, Norma. Disciplina, regramento, regularidade e tantas outras palavras que permeiam as conversas dos juristas. Justiça, um ideal a ser alcançado, uma espada afiada, implacável, em nome da qual se mata e se morre.

Vingança. Olho por olho e dente por dente. Retribuir o bem com o bem, e o mal com o mal. Abraços serão dados. Facadas e tiros também. Traição. Engodo. Aliança quebradas, balanças adulteradas e corações na mão, para serem atirados contra nossos desafetos.

Sim, a Justiça, a dama cega com uma balança e uma espada na mão, que , exatamente por não ver, sai cortando a torto e a direito as cabeças dos que se põem ao seu alcance. Pessoalmente, nunca gostei dessa idéia da justiça como uma mulher vendada. Oras, você deixaria o poder de decisão sobre o justo nas mãos de quem não pode ver o ser humano por detrás da norma?

Fala-se na dama cega justamente porque, então, ao não ver as pessoas envolvidas no conflito, decidiria em prol da Lei, e não das pessoas. Não veria o quanto cada parte é influente ou poderosa, não se deixaria basear em mais nada que não fosse a NORMA, a letra fria da lei. E nunca concordei com isso.



Nunca gostei do legalismo, do positivismo. Daquela visão vitoriana e protocolizada das coisas, como se a obediência às normas fosse uma mágica que fosse acabar com todos os problemas do mundo. Nunca gostei, por exemplo, do ORDEM E PROGRESSO da bandeira nacional. Coisa de positivista. Coisa de gente entusiasmada com as engrenagens do relógio, mas indiferente aos sofrimentos da condição humana.

Lembrei do Fernando Pessoa, agora. Não gosto muito dele por diferenças morais extremas. Sou católico, portanto, cristão. Fernando Pessoa era muitas coisas, mas cristão é que não era. Mas admiro muito seus escritos sobre essa questão do “homem-máquina” que se colocava no final do século XIX, começo do XX e que ainda hoje, mesmo com a mentalidade mundial de uma forma geral mais ocupada cem busca de novos meios de aperfeiçoar seu hedonismo e culto ao caos (moral e legal), ainda permeia os ideais dos poderosos do mundo.

Aqui é bom fazer uma observação. Vejam que eu critico o legalismo, não a legalidade. A lei é fundamental, e a justiça é, sim, coisa muito boa. Já diz o Salmo: “DEUS ama o Direito e a Justiça”, contudo bem sabemos que os conceitos de Deus em geral são diferentes dos conceitos dos homens. As medidas Dele geralmente nos desnorteiam, pois Deus ama os valores em si, não suas conceituação de raso sentido que os homens precisam construir (de forma muitas vezes deturpada) para que tenham aplicabilidade.

O problema que quero criticar é a ausência de bom sendo, a ausência de ponderação que habita os homens, pelo visto sempre tão inclinados ao extremismo. De um lado, temos os positivistas, que cultuam a ordem a todo custo, mesmo que seja o custo de vidas humanas. Do outro lado, temos essa ideologia hedonista e imediatista, materialista ao extremo, que em nome de prazeres passageiros está disposta a sacrificar tudo. E aí novamente temos de falar em vidas humanas. A vida humana sempre sai perdendo, quando os homens escolhem os extremos.

Neste ponto, retomo a fala acerca do tema da justiça. Justiça é dar a cada um o que é seu. Este é o conceito mais elementar que podemos ter desse valor. É o que é nos ensinado nas faculdades de Direito, e é a resposta automática na boca de qualquer jurista, quando precisa ser objetivo.

O problema é que isso elimina os sentimentos. Elimina a misericórdia, elimina alteridade, e cria divisões ferrenhas, divisões entre bons e maus, divisões entre "bandidos" e "cidadãos de bem", que se jactam o fato de nunca terem roubado milhões em Brasília ao mesmo tempo em que adoram embolsar aquele troquinho esperto nas transações comerciais do cotidiano.

Vivemos em uma sociedade em que é proibido julgar com qualquer sentimento que não seja o ódio, que não seja a vingança; Somos uma sociedade revoltada contra tudo e contra todos: uma sociedade de vingadores.



Nada contra os conceitos. nada contra a sistematização, ou o raciocínio indutivo, para fazer aqui uma miscelânea de coisas que por vezes me descem com dificuldade pela gargante. Nada contra a própria burocracia, que muita gente pensa que é uma coisa horrível, mas que na verdade é algo necessário, e bom, se usado com parcimônia.

Não é pecado um juiz precisar de um auxiliar. Esse auxiliar precisar de um auxiliar é que começa a deixar as coisas esquisitas.

Não é condenável exigir que um documento seja autenticado. O condenável é exigir que seja entregue em três vias, cada uma com um carimbo de cor diferente.

Enfim, nada contra justiça, nada contra o Direito. Sou acadêmico de Direito, ora, pois! É uma questão de bom, senso, de ponderação, sabe. Extremos tendem a me deixar irritado. E tendem a exterminar aqueles que erram, sem nunca lhes dar a chance de se redimirem.

E por favor, sem cinismo aqui, também. Estou falando em ser extremista, não em ser radical. Chega uma hora em que ficamos meio paranóicos com os termos, de tanto viver essa vida. O que tem a pretensão de ser um alerta para quem está querendo entrar nessa vida. Ou um convite...



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Enfim, o homem tem mesmo essa tendência para padronizar, para sistematizar, catalogar, classificar, discriminar, equacionar. Mesmo quando isso significa se vingar. O homem enxerga validade na vingança, se for para restaurar o que entender por equilíbrio. A vingança ganha, nesse contexto, um viés de virtude.

O que é bom, mas não é suficiente para fazer do homem "homem". Lá ou eu de novo com esses termos. Alguém devia cortar meus dedos fora (Queixinho, eu estou só brincando, ok?Sai pra lá!)

Apenas quando eu vou ALÉM da Justiça, apenas quando eu adentro no AMOR, aí então é que eu começo a fazer a experiência de Deus.

Isto porque a Justiça é relativa. A justiça é algo “humanizável”, por assim dizer. A justiça pode ser medida, pode ser regulada, e até mesmo aprisionada. A justiça pode ser estudada, pode ser quebrantada, pode ser reduzida a leis frias, a precedentes judiciais. A justiça pode, enfim, ser aplicada por pessoas injustas. 

Vejam, quando eu digo que a justiça é relativa, quero dizer que ela é manipulável. Mesmo sendo um conceito fechado - lembremos o contexto da crítica positivista que eu fiz no começo desse texto -, ela é manipulada. E é manipulada porque é uma criação do homem. Atentemos aqui eu eu estou falando de justiça como sinônimo de Direito.

Como valor, a mesma não pode se realizar de outra forma. Não na concepção de pensamento do mundo ocidental, mesmo porque as teorias do Direito Natural (e eu tenho fortes tendências jusnaturalistas) estão em extremo desuso, sendo substituídas exatamente por tudo isso que eu falei anteriormente. E viva o menino Kelsen, feliz da vida em seu túmulo quadradinho (isto foi propositadamente superficial, deixo logo claro. Vemos que Kelsen no fim da vida começou a, permito-me dizer, "acordar" para a vida)!

Com o amor isto não acontece. A vivência do amor pressupõe uma comunhão com ele. Só sabe o que é amor quem ama. O amor não é um conceito, não é uma idéia, é uma experiência, uma vivência. É o que sempre me leva a criticar as críticas (ah, esses trocadilhos infames...) de Nietzche ao cristianismo. Estudou, mas não viveu. Não tem moral para falar. Simples assim.

Às objeções levantadas, respondo com uma situação divertida. Para quem você vai pedir conselhos sobre, por exemplo, beijar na boca? Para o cientista que passou 30 anos estudando a "teoria do beijo" e publicou até um livro sobre o assunto "La Theórie du bise", mas nunca beijou ninguém além da mãe, e na bochecha, ainda por cima; ou para o malandrão faceiro do bairro, cuja boca é conhecida entre as mulheres mais atiradas como "portinha do Éden"?

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Parto, é claro, do princípio de que Deus é amor. Logo, o amor é o poder,a perfeição e a plenitude por excelência. O amor não é algo que possa ser aprisionado. Mesmo quando tentamos fazer isso, apenas estamos dando provas de que o mesmo é uma força tão poderosa que na verdade não há como se opor a ela. Não se pode ser neutro ao amor, assim como não se pode ser neutro ao filho do AMOR, Jesus Cristo.

Oras, divago acerca de meu mestre. Acontece. Quando se tenta escrever sobre coisas tão amplas, geralmente acabamos falando sobre tudo, e aí não falamos sobre nada. Sabem, Deus pode ser muito frustrante, às vezes. Não a SUA pessoa, claro, Deus é fascinante. Tentar entender Deus é que é o problema. E então voltamos à nossa conversa sobre amor e justiça. Eu posso entender a justiça. Não posso entender o amor, no sentido de apreendê-lo, reduzi-lo a um número de postulados matemáticos x.

E isso é uma humilhação intelectual, uma humilhação para o raciocínio mecânico e racional. O amor não pode ser medido, não pode ser engarrafado. Então se esforçam em dizer que ele não existe, se esforçam em apagá-lo, em distanciá-lo de nossas vidas. Procuram reduzir tudo a hormônios, mas isso não é amor. Procuram reduzir tudo a interesses ou a termos científicos como interesse, atração, cooperação e simbiose. Mas isso também não é humor. São apenas palavras que nos deixam entediados.

Peço desculpas ao leitor. Sinto que estou meio enrolado aqui. Faz tempo que não escrevo. Estou com os dedos enferrujados, por assim dizer. E é um tema tão amplo, não?Seria ótimo se pudéssemos reunir toda a humanidade, para que cada homem pudesse dar a sua contribuição, se bem que muitos talvez não tivessem o que contribuir.


Momentos de lembranças vindo à minha cabeça. Lembrei-me agora da distinção entre Estado Legalista e Estado de Direito. O Estado legalista se governa pela lei, cegamente. Está na Lei, tá valendo, mesmo que seja um absurdo.

Por exemplo, o Estado nazista. Todos os judeus, católicos (sim, os católicos e demais cristãos de verdade, que não concordaram com aquilo morreram também), ciganos que morreram na mão dos nazistas, morreram de acordo com a Lei do Estado nazista. Tudo legal, mas nada justo.

Como o Direito e a Lei podem estar distantes um do outro algumas vezes!Como a Justiça, ou o que pensamos ser a Justiça, muitas vezes sucumbe a disfarces de legalismo, de vingança, de segregação, de um liberalismo sem fim que torna os fortes mais fortes mais fortes e os fracos mais fracos, ou de um estatismo sem limites que rouba do homem todo o fruto de seus trabalhos!

Nessas horas, a memória puxa algo que eu ouvi nos SIMPSONS uma vez:

"A lei não tem poder para ajudar, mas tem para punir".

Acabei de me lembrar de outra coisa (altas lembranças agora). Sempre fui bom em lembrar coisas na hora errada, e péssimo na hora certa. Poderia chamar algumas mulheres para testemunharem esse pequeno problema...

Enfim, confissões à parte, lembrei-me de um desenho que aqui no Brasil recebe o nome de PADRINHOS MÁGICOS. Nesse desenho, temos dois povos rivais em termos de magia: Fadas e duendes. As fadas são pessoais, amam seus afilhados, se identificam com eles. Os duendes querem o controle do mundo das fadas, querem o monopólio do mercado, querem poder fazer o melhor de si e realizar os desejos das crianças.

Mas não as amam. Tudo o que lhes interessa são números, são gráficos. E assim, no desenho, eles sempre perdem as batalhas pelo controle do chamado Mundo das Fadas. É algo tão infantil, não?Mas há muita profundidade nisso, há mesmo uma filosofia e uma teologia profundas!

Podemos nos deparar com essa realidade tão bonita observando o cristianismo, a mais original e maluca de todas as religiões (e isto sendo dito por um cristão!), quando nos deparamos com as certezas de nossas ortodoxia:

>O inferno existe;

>Merecemos o inferno; [A JUSTIÇA]

>Seremos salvos pela misericórdia de Deus. [O AMOR]

Perceberam como são as coisas? Somos todos maus, senhores. Sempre digo que ir avançando nos caminhos do cristianismo é o mesmo que ir se dando conta de duas verdades cada vez mais fortes: a primeira é como nós somos ruins, e a segunda é como DEUS é bom.

Uma das coisas mais difíceis de compreender em nossa religião é exatamente isso. Ainda que eu me esforce até as últimas forças para alcançar a salvação, ela jamais será fruto de uma “justiça”, por assim dizer. Eu jamais poderei exigir a salvação de Deus. Sempre estarei em débito com Ele, e disso eu sei muito bem. Não tenho, leitores, a menor pretensão de dizer que sou uma boa pessoa, a menor pretensão de dizer que mereço o céu. Só eu e Ele sabemos o tamanho das minhas faltas. Mas nem mesmo o mais esperançoso dos homens pode querer medir Sua enorme misericórdia.

Vejam vocês que dia desses estava lendo a Carta de São Paulo aos Romanos. Fazia isso como estudo apologético de defesa Igreja Católica Apostólica ROMANA, e ela foi muito útil nesse sentido, também. Mas o que mais me chamou atenção, a mim, que sou, bem entre aspas mesmo, jurista, foi a digressão de São Paulo acerca da Lei, da Justiça e do Amor.

São Paulo nos ensina que, se quisermos nos salvar por uma questão de justiça, estamos todos perdidos. Já diz Salomão no Eclesiastes: “não há um homem justo, não há um sequer.” Ou seja, pela porta da Justiça, camaradas, não vai entrar ninguém no céu.

Vejam, ontem mesmo eu conversava sobre a temática com uma amiga protestante que eu tenho. E ela me recomendou uma passagem muito interessante, de autoria do grande Rei Salomão, exatamente sobre essa temática, e que me deixou muito pensativo:

"Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade.

Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo?

Bom é que retenhas isto, e também daquilo não retires a tua mão; porque quem teme a Deus escapa de tudo isso. A sabedoria fortalece ao sábio, mais do que dez poderosos que haja na cidade.

Na verdade que não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque.

Tampouco apliques o teu coração a todas as palavras que se disserem, para que não venhas a ouvir o teu servo amaldiçoar-te. Porque o teu coração também já confessou que muitas vezes tu amaldiçoaste a outros."

Livro de Eclesiastes - Capítulo 7:15-22.

***

Ora, tudo isto é mais uma humilhação para o ser humano, em sua arrogância e pretensão de entender tudo, de alcança tudo, de ser o dono de tudo, até mesmo do que é dos outros e, pior ainda, do que é dom de Deus.

Sim, o homem tem extrema dificuldade em aceitar o gratuito, porque em sua cabeça isto não é "justo". Na concepção de igualdade implantada em sua cabeça, muitas coisas que Jesus manda são simplesmente absurdas, "injustas".



Como é que Cristo tem, por exemplo, a ousadia de me mandar amar meus inimigos, e dar a outra face?Como é que São Paulo me afirma descaradamente que, antes de litigar contra quem me injustiçou, deveria eu deixar-me defraldar?Como é que São Pedro tem a coragem de me mandar obedecer a meus senhores, não apenas aos justos e bons, mas especialmente aos ruins e injustos?Ora, a quantos não parece, ao deparar-se com esses textos bíblicos, que esse caras eram todos malucos?

Quantos, lendo a parábola do Filho Pródigo, não entendem nada?Ou entendem mas entendem tudo errado?Quantos não se afastam da Igreja, de Deus, da sociedade como um todo, porque são incapazes de superar o passado, o pecado, porque as portas da vida lhes são fechadas em nome de uma pretensa e implacável justiça?

***

“Mas, padre, eu sou um pecador, tenho grandes pecados, como posso sentir-me parte da Igreja?”. Querido irmão, querida irmã, é propriamente isto que deseja o Senhor; que você lhe diga: “Senhor, estou aqui, com os meus pecados”. 

Alguém de vocês está aqui sem os próprios pecados? Alguém de vocês? Ninguém, nenhum de nós. Todos levamos conosco os nosso pecados. Mas o Senhor quer ouvir que lhe digamos: “Perdoa-me, ajuda-me a caminhar, transforma o meu coração!”. E o Senhor pode transformar o coração. 

Na Igreja, o Deus que encontramos não é um juiz implacável, mas é como o Pai da parábola evangélica. Você pode ser como o filho que deixou a casa, que tocou o fundo do distanciamento de Deus. Quando tens a força de dizer: quero voltar pra casa, encontrarás a porta aberta, Deus vem ao seu encontro porque te espera sempre, Deus te espera sempre. Deus te abraça, te beija e faz festa."

Papa Francisco.


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Dar a cada um o que é seu. Tem tanta gente por aí correndo "atrás do que é seu". Pois só digo um coisa. Se um dia Deus quiser me "dar o que é meu", eu estou ferrado. A única coisa que é minha, a única coisa que eu mereço, é uma poltrona reclinável na Sala VIP do inferno.

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Olhem só um texto que eu encontrei no perfil no Facebook do Professor Felipe Aquino, um dos maiores apologistas católicos do Brasil e Doutor em Engenharia Aeroespacial pelo ITA:

"POR QUE NÃO BASTA SÓ A JUSTIÇA?

O mesmo grande doutor em Ciências Políticas, caro amigo Prof. Dr. Cesar Saldanha, sábio e experiente, mostra de maneira muito simples porque a justiça sozinha é insuficiente para gerar a harmonia em uma sociedade e a paz entre as pessoas e as nações. Ele costuma contar o caso do conflito de Israel e a os Palestinos, que há cerca de 70 anos é um dos mais graves conflitos internacionais, e que não termina nunca, porque, à luz da justiça e do Direito, ambos os povos acham que têm razão; e acabam querendo resolver o problema na base da guerra. 

Israel afirma que Deus lhes deu aquela terra desde Abraão, quase dois mil anos antes de Cristo; e que eles tem esta “escritura” de posse registrada no Cartório mais confiável do mundo que é a Sagrada Escritura, a Palavra de Deus; e que, portanto, não abrem mão de nada daquele território, pois lhes pertence por “justiça” e garantido pelo Direito Divino. 

Por outro lado os palestinos dizem: “Mas vocês foram expulsos daqui pelos romanos no ano 70, pelo general Tito, e foram embora pelo mundo afora; esta terra toda estava vazia e nós a ocupamos há 1900 anos! Ora, temos o direito de “uso capião”; querem um “uso capião” mais legítimo que esse, de 1900 anos? 

E assim ambos os povos dizem que tem razão. Os dois têm direitos, e a justiça não consegue resolver isso sozinha; é preciso que entre o amor, a compreensão, a abnegação. Cada um abrir mão daquilo que por direito e justiça é de cada um, para que ambos se entendam e sejam felizes. Isto mostra que não basta a Justiça e o Direito para resolver os problemas humanos, é preciso o amor, a caridade.

O mesmo se dá entre patrões e empregados, entre pais e filhos, entre marido e mulher, entre uma nação e outra. Se ficarmos só com a Justiça, faremos guerra! Cristo foi injustiçado mas salvou o mundo pelo Amor." 

Professor Felipe Aquino.

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Enfim, estou me alongando tanto nisso tudo, não é?Creio que seria melhor se parássemos por aqui, amigos leitores. É um tema amplo, sobre o qual gostaria de me debruçar ainda outras vezes. Mas não posso fazê-lo sem recomendar-lhes algumas reflexões sobre o tema.

Sobre a questão da justiça, da vingança e tudo o mais, é extremamente salutar ver a trilogia do Poderoso Chefão. Se você ainda não viu, sua vida ainda é apenas uma lufada de ilusões, meu caro. Aqui, cabe a menção anônima, porém honrosa: quem me recomendou e me possibilitou assistir a trilogia foi um ATEU.

Detalhe: choro muito no final. Que história...que história...



Nem preciso dizer mais nada. Apenas vejam toda a trilogia. E quem viu tudo já sabe do que eu estou falando. Eu quis começar e encerrar com a trilha sonora do Poderoso Chefão porque essa trilogia não são apenas filmes. São lições de vida. Resumem tudo o que eu disse de uma forma que eu jamais conseguirei fixar.

Deus abençoe a todos!Salve Maria santísima!Salve Roma eterna!