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segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ciência e Religião. É tudo dúvida. É tudo fé.

Antes de mais nada: é bom estar em casa depois de mais um dia exigente, como de praxe. É sempre bom chegar nos finalmente do dia com a sensação de dever cumprido, de corrida completada. Agora só falta conseguir chegar ao fim dessa vida com a mesma sensação e poder me considerar um santo.

Mas não é fácil. Não foi fácil pra eles, com certeza não será pra mim, nem pra nenhuma que tente seguir essa loucura que é o cristianismo e a busca pela santidade. Nunca foi fácil. Jesus mesmo, comentou, certa vez, cansado, que "as aves tem os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça".

Com efeito, seguir a Cristo, querer ser excelente, querer ser melhor, querer vencer totalmente, em todos os sentidos, exige um esforço diário que às vezes só pode ser descrito como insano. Mesmo quem não segue a Cristo ou ao Seu Pai, sabe como é difícil ao homem, com todas as sua óbvias e gritantes limitações, às vezes simplesmente levantar da cama, colocar-se a caminho do trabalho ou do estudo (pra quem ainda tem a graça de trabalhar e/ou estudar...), já é insuportavelmente difícil, quanto mais querer superar a si mesmo e ousar ser algo melhor.

Ás vezes, parecemos um exército de cambaleantes, caminhando dispersos e sem firmeza. Sem rumo, sem objetivo, sem foco em nada. Como se estivéssemos tão mais ocupados simplesmente evitando morrer que não houvesse tempo sequer para imaginar a possibilidade a algo mais, de ser melhor. Como se estivéssemos enjaiolados pelas grades da mediocridade, esperando que a rotina viesse e nos alimentasse com migalhas. E então não somos nada mais do que animais alienados em um zoológico, torcendo pra que algum visitante nos atire um amendoim.

Todo homem enfrenta esse desafio diário: superar a si mesmo. Ir além de si mesmo. Para o religioso, isto pode ser definido como transcender. Estamos sempre tentando ultrapassar a nós mesmos e ir ao encontro daquele que é maior do que nós. Com aqueles que não compartilham de nossa crença, acredito (mas não tenho certeza, porque minha matriz de pensamento é outra, e por isso peço desculpas antecipadas por alguma besteira que certamente falarei de vocês) que o desafio seja semelhante, embora em uma esfera muito mais empírica e guardadas as devidas proporções.

A nossa própria sociedade, que é meritocrática, nos empurra nessa direção. Somos estimulados a crescer, a nos desenvolver. Isso está além de discussão, muito embora documentários continuem sempre discutindo o tema, sempre com os mesmos argumentos, o que já está me enjoando.

Mas ao mesmo tempo, sei lá, é como se sempre faltasse alguma coisa,  há sempre um vazio a ser preenchido. E não é um vazio distante, com o qual podemos nos preocupar daqui a 30 anos, quando formos grandes homens com grandes problemas, mas algo hodierno, que nos incomoda hoje, aqui e agora. Algo que não corremos atrás, porque pra início de conversa nem sabemos onde está.

De fato, todos temos um grande vazio em nosso interior, muitos apenas não se dão conta disso o tempo todo (outros fazem mesmo questão de jamais nem pensar no assunto) e só temos duas escolhas com relação a ele. Ou passamos a vida toda fugindo dele, e, Deus (!), como conheço gente perita em fazer isso, o que é mais fácil até a hora da morte, quando então somos fatalmente sugados para dentro desse vazio, como uma bolha que estoura no vácuo; ou nos viramos corajosa ou estupidamente para ele e o encaramos de frente. Mas como é complicado!

A morte, por exemplo. Para os religiosos, o fim de um ciclo e o começo de outro. Para os ateus, o grande ocaso do homem, o fim da linha e a queda para o grande vazio, que existia antes e que existirá ao final de tudo. Para ambos, em geral, um tremendo de um tabu. Ninguém quer falar da morte. Cristãos se benzem ante  sua menção. A bíblia a chama de última inimiga da humanidade, que Cristo subjugará no fim dos tempos. Os ateus pelo menos são mais objetivos, é fim e pronto.

Mas mesmo nós religiosos, com a nossa fé, e os ateus, também com sua fé, só que às avessas, fogem até mesmo de mencioná-la, como se fizesse alguma diferença. Na verdade, diante da morte, diante da máxima limitação humana, que é a mortalidade, é que podemos ver o grande sofrimento da vida humana sobre a terra, e a grande impotência humana diante dos seus próprios limites.

Quer dizer, o homem é tão digno de pena que passa a vida toda sofrendo e vítima de um grande vazio, e mesmo assim, diante da morte, agarra-se à sua vida com todas as forças. Gasta tudo e todos ao seu redor, talvez subvertendo mesmo os seus valores mais profundos, por um único segundo a mais de vida. E tudo no mais absoluto silêncio, como se não comentar sobre a queda pudesse evitá-la, pudesse afastá-la. Mas o último suspiro do homem é sempre um grito para o incerto.

Todos conhecemos exemplos de homens que passam a vida toda sendo ateus convictos e militantes, e na velhice voltam-se para Deus desesperados, correndo atrás do tempo perdido. Também conhecemos exemplos do contrário, de homens que passam a vida toda nas esferas divinas e no fim desistem de tudo aquilo e correm também atrás do tempo perdido.

Como exemplo do primeiro caso, cito meu pai, comunista ferrenho, foi até perseguido pela ditadura, mas no fim da vida, quando a doença o debilitou a ponto de mal poder sair de casa, voltou-se para Deus de uma forma tão surpreendente que o médico até recomendou que parasse de ir à missa, eis que se emocionava demais, chegando mesmo a passar mal. Hoje posso dizer com orgulho que meu pai morreu lendo a bíblia, e creio que no fim pôde, em meio à dor da doença e a desonra da decadência que é a velhice, ao menos encontrar um pouco de conforto nas Sagradas Escrituras.

Como exemplo do segundo caso, vish, conheço vários. Não vou citá-los, pois que não fui íntimo de nenhum deles, e poderia falar muita besteira ao tecer comentários especulativos. Faço, porém, questão de dizer que os conheci, para enfatizar os dois lados da questão e dar um pouco de justiça ao meu pensamento. E, mais ainda, mostrar que, como há dois lados, há duas opiniões. E, se há duas opiniões, é porque os fatos não estão claros. E, se os fatos não estão claros, há dúvida e incerteza. De um lado a fé, e do outro a descrença.

Afinal, se o viver do homem é uma grande incerteza, uma grande luta entre a miséria certa e a grandeza incerta, entre a morte certa e a incerta vida após esta, como duvidar que a própria vida seja uma grande alegoria à incerteza? E quem poderá, afinal de contas, saber o que há do outro lado? E se vale a pena perdermos nosso tempo nos agarrando a uma existência tão miserável e desgraçada que es esvazia em si mesma, pela simples velhice e cansaço do mundo, sem ser necessário nem mesmo um simples resfriado para dar cabo dela?

A riquíssima tradição da Igreja Católica resume bem tudo o que expressei acima. Em uma de suas Orações Eucarísticas, o Padre ora e eu nunca paro de pensar nessas palavras: "E para aqueles a quem a certeza da morte entristece, que a esperança da ressurreição traga nova alegria."

Também a tradição popular, em sua sabedoria que rivaliza até com a da Santa Igreja, afirma em um ditado popular: "a única certeza da vida é a morte".

Oras, em verdade só temos certeza do seguinte: a vida é curta. E é complicadíssima, como não preciso dizer para vocês. Mesmo os ricos às vezes acordam lívidos de medo, o suor escorrendo em seus lençóis de seda. O resto todo é suposição, é esperança ou estupidez. Nada muito palpável, você há de convir comigo. É como diz o Mago Gandalf, no livro O SENHOR DOS ANÉIS - O RETORNO DO REI (de autoria do grande mestre Tolkien, por sinal, católico): "Nunca houve muita esperança. Somente a esperança dos tolos."

E mesmo assim a gente luta, mesmo assim a gente busca, mesmo assim a gente quer vencer, quer superar. Toda meia-noite do dia primeiro de janeiro soltamos fogos, esperando que as coisas melhorem. E pensamos que o ano que vem será melhor que o que passou, e que a humanidade tomará jeito, e que as guerras irão acabar, e que o homem escapará de si mesmo, finalmente.

Com efeito, todas as ideologias, revoluções, todas nos fazem essa mesma promessa. As religiões prometem a libertação da humanidade através de caridade, paz interior e uma relação íntima com todas as coisas e o seu criador. A revolução francesa promete a liberdade através de leis que igualem os homens e lhes dêm o poder de fazer o que quiser dentro de uma coletividade ordenada. O comunismo promete igualar a todos e distribuir todos os recursos conforme cada um necessita, acabando com as diferenças, anarquismo promete tudo isso só quem sem lei nem chefe nem porcaria nenhuma, e por ai vai.

O que eu quero realmente dizer é que toda a história humana é baseada no pensamento de que as coisas vão tomar jeito, de que as coisas vão melhorar. Por mais que tudo esteja um caos, sempre encontramos uma forma de racionalizar nosso otimismo. O iluminismo, e o evolucionismo e o positivismo nada mais são (para fins deste post) do que a racionalização do "amanhã tudo vai ser melhor".

Ou somos muito idiotas ou talvez, só talvez, realmente essa vida valha a pena, quem sabe. E quem dera que fosse só essa a única dúvida existencial do ser humano! Mas ainda há tantas perguntas a serem feitas...

Quanto vale um segundo de uma vida? Quanto vale o nosso tempo e o que é mais importante? Querer aumentá-lo ao custo de perdê-lo, ou aproveitá-lo ao custo de gastá-lo mais rápido?

Talvez, só talvez, haja um motivo para tudo isso. Para essa loucura que a gente vive todo dia. Para eu querer ver meus amigos de novo, e o sorriso em seus rostos. Para eu dizer para os membros da minha família como eu os amo Para eu querer ir à Igreja de novo, e naqueles poucos segundos de êxtase espiritual, me sentir completo, e vivo, e sereno. Para a gente acordar e dize para si mesmo "vou seguir em frente. Vou lutar, vou vencer! "

Me parece razoável supor que, se você ainda não se suicidou, e nem eu, é porque ambos, quando paramos para pensar no valor de nossa própria existência, se não nos convencemos de que ela é a última coca-cola do deserto, pelo menos ainda não chegamos ao ponto de fazer total descaso dela. O que quer dizer que, se não esperamos necessariamente algo melhor, ao menos pensamos que ainda não está tão ruim, assim.

Talvez, mas só talvez, se a gente passa a vida toda lutando, será que é porque no final haja, quem sabe, realmente uma vitória? Quem sabe, como disseram Cristo e Maomé, dentre tantos outros, haja alguma coisa nos esperando do outro lado, nem que seja, como certa vez disse-me um amigo ateu, o "tribunal de Osíris?"

Minha intenção não é dizer que há um lado certo e outro errado. Com efeito, somos todos, religiosos e cientistas, apenas homens de fé. O que muda apenas é para onde dirigimos nossa fé, mas nem por isso ela perde esse aspecto de fé. Penso, isso, sim, que passamos tempo demais discutindo quando na verdade queremos as mesmas coisas: respostas. E penso que passamos muito tempo separados, quando na verdade estamos unidos pela mesma motivação: ir além.

Quero encerrar, portanto, citando um homem em quem me inspiro, porque quero ser como ele. Um homem que conseguiu fundir, como tantos outros ao longo da história, ciência e religião em sua vida, e que, assim como eu, muito se questionou, nos mesmos termos que me questionei acima, para ao final concluir, como também eu concluo, que:
"Tenho duas escolhas. Uma é acreditar que não existem milagres. E a outra é acreditar que todas as coisas são um milagre." (Albert Einstein)

Que o Senhor da Vida, da Religião, da Ciência e da Tradição nos abençoe a todos. Amém.

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