recomendo seja este post lido ao som dessa música. Ela foi o som que embalou cada palavra abaixo posta.
A militância para Deus tem um
preço tal alto, mais alto que os tetos das enormes catedrais que os homens
ergueram em SUA honra. Os gritos de agonia são o lado oposto dos cantos
gregorianos, dos hinos deliciosos que almas piedosas cantam ao Todo e ao Tudo,
ao Princípio e ao Fim de todas as coisas.
Servir a Deus é isso: caminhar
nessa linha tão tênue, essa prancha precária que balança a cada passo dado.
Parece que a qualquer momento cairemos na escuridão sem fim, parece que seremos
engolidos pelos abismos e pelo inevitável ocaso de todas as coisas. Como os
nórdicos acreditavam em um fim do mundo tão cruel que até os deuses morreriam
congelados, também às vezes tudo em nós e na Igreja parece congelado, sem vida
e estático.
Quantas vezes não saímos do
sacrifício e da sublimidade suprema de uma Santa Missa com a sensação de ter
saído de um lugar comum? Quantas vezes o vazio e o pecado contumaz não fizeram
morada em nossa vida? As risadas de nossos semelhantes pareciam todas sem
sentido, coisas de outros mundos, de outras vidas que não a nossa.
O joelho no chão, o corpo inteiro
no chão. Como o sacerdote que se prostra para receber a mais excelente das bênçãos
que a Santa Madre Igreja pode oferecer, nós nos prostramos de vez em quando,
sobrecarregados com o peso enorme desta vida, de ser peregrino e odiado nesse
mundo que não é o nosso. Que missão tão grande, tão penosa, tão imensa, essa de
ser um embaixador do céu que ainda não vimos, em meio a um mundo de maldades e
malícia que vemos todos os dias!
Os aviões voam, nos levam para um
céu de mentira, um céu postiço, apenas para nos fazer sentir o gostinho da
amplitude infinita e então nos trazer de volta para a terra. Barro, areia,
poeira, nossa matéria, nossos blocos de construção! Como é miserável o homem,
miserável em suas cadeias de carbono, em seus restos mortais das estrelas que
já não mais existem para que delas possamos fazer parte novamente.
E mesmo sendo tão miseráveis, tão
efêmeros, fúteis, um espasmo microscópico na magnitude perturbadora do
universo, mesmo sendo tão pequenos que podemos sumir a qualquer momento sem que
ninguém lamente, perceba. O Sol não vai brilhar menos por causa da minha morte.
Talvez, ao contrário, brilhe até mais. Quem sabe se por causa da superpopulação
já não vão estar jogando os mortos para serem devorados pelo Sol, quando não houver
mais espaço para cemitérios nem crematórios? Nem espaço e nem vontade, pois em
uma sociedade onde não existe cristianismo para mandar conservar os corpos para
o dia do juízo final, quem precisa de cemitérios?
Como eu ia dizendo, mesmo sendo
tão efêmeros, não é incrível como podemos sentir tantas coisas, em tanta
intensidade? Nossa vida é um turbilhão de emoções, uma praia onde batem ondas
de todos os tipos, deixando todo tipo de marca na areia facilmente modelável da
nossa existência. Num dia estamos tão bem, no outro tão mal, no outro bem de
novo, e quem precisa de uma montanha russa quando estamos assim, nesse estado?
Como é fantástico que sejamos tão pequenos, mas façamos tanto barulho. Estamos
para o universo como as torcidas organizadas estão para um imenso estádio. Às
vezes não são mais que poucas centenas em partidas onde o time é visitante, mas
fazem tanto barulho, não raro mais barulho que as outras 120, 180 mil pessoas
que torcem para o time da casa.
Somos esses visitantes no
universo. Estamos aqui só de passagem. Nossa casa não é essa, mas nem por isso
não nos sentimos à vontade. Fazemos barulho, gritamos, e até mesmo coordenamos
e harmonizamos nossos gritos. Gritamos para dentro de nós mesmos, gritamos uns
para os outros, gritamos para o Deus invisível, porém sensível. Gritamos em
busca de um eco, de uma resposta.
Se eu vier a me casar um dia,
será quando encontrar isso em outra pessoa: um recipiente onde possa ecoar o
meu grito. Onde eu possa reverberar, onde eu possa ser como os cantos
gregorianos que batem nas paredes seculares dos templos cristãos e inundam o
espírito terreno com a ânsia do céu que se mostra debaixo das cortinas cinzas e
sujas de nossa pobre percepção.
Ao homem, que passa a vida
inteira buscando algo que nem sabe o que é, o casamento promete ser esse
encontro, esse encerramento da jornada. Esse encontrar-se no outro,
descobrir-se tão belo na beleza de outro ser, tão completo na completude que
forma com outro ser, tão vivo na vida que vive com outro ser. A promessa do
amor que dura a vida inteira, do companheirismo que permanece nas almas dos
amantes mesmo quando o corpo fraco já se vai desfazendo nas areias do tempo.
Promessas, promessas, promessas,
mas quem poderá cumpri-las? Quem poderá dar ao homem a satisfação que ele busca
todos os dias? Quem poderá saciar seus desejos, quem poderá afastar suas
angústias? Como, como espantar, matar, exterminar a solidão que vem como uma
fera faminta devorar o coração humano na noite escura?
Quem é o soldado fiel que vai
estar do meu lado na batalha? De quem é o escudo que irá me proteger dos dardos
do maligno? Quem empunha a espada que irá matar o inimigo sorrateiro que me
ataca pelas costas enquanto combato três de uma só vez à minha frente? Se até
Gandalf em toda a sua dignidade e autonomia foi socorrido por um simplório
hobbit, quanto mais eu, pobre guerreiro sem armas, não precisarei da blindagem
impenetrável do amor!
Heroísmo, disciplina, renúncia.
Morte gloriosa, honrada e memorável, nada disso vale um dente podre da boca de
um mendigo moribundo se não for motivado pela energia inacabável do amor. O
amor é o fogo que me levanta todas as manhãs. Pelo Amor de Deus eu me ergo das
trevas da minha condição para ser algo melhor e mais decente, para ser caridoso
ao invés de ser carente, para servir a verdade, não ser aquele que mente.
Pelo amor de Deus...pelo amor do
Amor...porque Deus é Amor...em sua mais pura e casta forma, em sua perfeição e
plenitude. Em seu ardor mais brilhante, que consome o espírito sem queimar. Em
seu ardor mais intenso, e no entanto sem ardência. A chama tão poderosa e tão
perfeita que superou todos os limites da matéria e da quantidade. A luz é
apenas a sombra de sua glória, apenas a antecâmara de seus vastos salões. Suas
colunas sustentam o universo, e todas as coisas gravitam para Ele. O Amor está
no centro, ordena tudo, conserva tudo.
O Amor nos salvará a todos. Se
nos deixarmos ser salvos.
Meu caro Carlos.
ResponderExcluirSe há algum termo comparativo com o blog de minha pessoa, diria que este equipara-se a um nível de importância que o post "Ouisense" foi pra mim.
Foi um post belíssimo, cheio de buscas e revelações da tua alma. Muitos outros posts teus têm um "quê" de divagação normal de pessoas como nós, rsrs. Mas, este, junto com a música, pareceu tão meticulosamente pensado, bem feito. Perfeitamente ao Amor de Deus. Com o ar maior do sacerdote que guardas em ti.
Concordo bastante com muito do que disseste. E mesmo o que não concordei por achar isso ou aquilo, agradou-me de ter lido tantas palavras defendidas com tanta paixão e fé.
A mim, pessoalmente, o post foi um belo "puxão de orelha". Espero poder admirá-lo, lê-lo outras vezes para melhor guardar o sermão, e assim para que me fale mais ao coração.